http://www.carlosrodriguesbrandao.blogspot.com/
Carlos Rodrigues Brandão
Um dia depois do Natal em 2007
Como o vento, as palavras vêm
Escrevo. E ouço me dizerem as palavras
que nada do que está escrito aqui é meu.
As palavras me tomam nessa noite.
Como as sementes de um pé de amoras
elas me chegam de longe com o vento.
As palavras que eu digo, que eu escrevo,
não são minhas letras e palavras
e nem as frases e idéias que penso serem minhas.
Elas me chegam, brotam na terra de que sou,
como a planta semeada se desvela.
Nada do que está escrito aqui é meu.
Nada do que escrevi a vida inteira foi meu.
As palavras que dizemos e as que ouvimos
não são nossas em momento algum
e se ilude aquele que escreve e pensa: “isto é meu!”.
Elas chegam com o vento, como o vento.
Vêm de longe, de um onde não sabemos,
e por outros rostos foram ditas e em outras vozes
sob a sombra de outras árvores e outros frutos.
E outros ouvidos as ouviram em outras línguas.
Um vento de passagem as recolheu, um vento
como o que agora venta aqui. Vem e escuta!
Em outra noite como agora, em um lugar distante
um outro vento as recolheu nos braços, safra de letras.
e as palavras que pensamos nossas, vieram nele.
Terão cruzado o calor de algum deserto.
e povos beduínos as terão ouvido antes de nós
as palavras que cantaram e não são nossas.
Terão atravessado um mar, um oceano,
guiadas talvez por uma estrela
que de longe traduziu letras, palavras
e as entoou antes de nós, bem antes.
E com o vento chegaram aqui as palavras
e por um instante, durante um breve tempo
do passar do sopro de um vento errante
elas me habitam como quem, cansado
encontra uma tenda ou a sombra de outra árvore.
Um momento efêmero, porque logo tomam alento
e em um outro vento viajam... vão embora
e pousam em um lugar longe, de outras línguas.
E passaram por nós, e as ouvimos e falamos,
e algumas vezes as retemos num papel
imaginando sair de nós o que apenas nos visita.
E aqui ficamos enquanto elas nos deixam.
E o que chamamos, sem saber, “silêncio”
é apenas o seu ir embora e nos deixar
até que outro vento passe e em nós ressoe
um poema,um pensar, uma canção.
Palavras que repousam em nós o seu minuto.
Em nós que sonhamos que ouvimos
Vindo dos rios de nosso corpo o que flui no tempo,
em sabermos que aquele que escreve
é apenas um alguém um pouco mais atento ao vento.
Ele escreve as palavras que o possuem,
mas quem? Quem decifra a voz do vento?
Era uma tarde, o vento
Era uma tarde e era quase a noite,
no horizonte houve um traço de Van Gogh:
um tom de laranja e um outro cor de barro.
E eu sonhava ir indo por ali, sozinho.
Como quem deixa as uvas e colhe o vento.
A noite veio vindo como quem a pé
e acendeu entre a Lua e o Cruzeiro
um carreiro de velas. E pareceu até
que o breu da noite clareia mais que o dia
por um instante que fosse, um momento.
E sobre o manto do mar Órion molha as mãos
e quem neste vôo vela a noite como eu,
desperto e aceso, se espanta e se pergunta:
para onde foi o que da tarde havia?
E quem chegou e quando? Vindo de onde?
Trazido de qual nuvem? De qual vento?
De que lugar que longe há, e eu não sabia?
O berrante, o vento
Ouves este som? Pensas que é o vento?
Ouve de novo! Escuta e vê. Não venta.
E na volta da estrada é um som dolente
quem trás até aqui três notas de um berrante.
Alguém que não o vento o sopra. Ouves? Quem?
É um boiadeiro quem canta e, como o vento
fala a ele e aos bois, e a nós e a deus,
e a todos embala como se fosse um berço
o sertão que entanto é pedra e fogo aceso.
Berrante, o artefato de sopro mais humilde
e o som mais igual ao Om de Krishna.
O mais deserdado sopro, o mais sem arte.
Não há lugar para ele entre violas
e sanfonas e tambores das folias
e dos bailes que embalam alegrias
entre um dia vinte e cinco e um dia seis.
Ele sonha ser apenas um mugido,
um como o vento que de um chifre sai,
pois é ao gado que viaja que ele fala.
Não o ouves? E pensas que é o vento.
tu que vens de longe e aqui te esqueces.
Escuta, como em missa, como em prece.
Pastor de bois, o boiadeiro quando sopra
O berrante que o gado ouve e sente,
é um pouco como deus, senhor do vento.
Algumas vezes – e elas são muitas – rabisco os meus poemas em folhas de fim de agendas e de cadernos, ou nas partes em branco dos livros de poesias que me acompanham entre viagens. E alguns ficam perdidos por alguns dias... ou por muitos anos.
Assim, neste final de 2007 encontrei três deles que quero partilhar com vocês. Os dois primeiros estavam rabiscados em uma caderneta, em meio a anotações de escritos a respeito da organização de grupos domésticos nas aldeias da Galícia. Notas para um livro inacabável chamado A Crônica de Oms, que um dia espero concluir. Como gosto de indicar local, data e situação de meus rabiscos, debaixo do primeiro está escrito: “Vôo Sampa/Madrid, saindo do Brasil” (sem data). E no segundo anotei: “sobre o Atlântico” (onde?). O último foi rabiscado na parte em branco das páginas 110 e 111, do livro, Poesias, onde Salvatore Quasimodo (um poeta que eu leio e releio sem cessar) escreveu o poema: Que desejas, pastor do ar?
Carlos Rodrigues Brandão
Um dia depois do Natal em 2007
Um dia depois do Natal em 2007
Como o vento, as palavras vêm
Escrevo. E ouço me dizerem as palavras
que nada do que está escrito aqui é meu.
As palavras me tomam nessa noite.
Como as sementes de um pé de amoras
elas me chegam de longe com o vento.
As palavras que eu digo, que eu escrevo,
não são minhas letras e palavras
e nem as frases e idéias que penso serem minhas.
Elas me chegam, brotam na terra de que sou,
como a planta semeada se desvela.
Nada do que está escrito aqui é meu.
Nada do que escrevi a vida inteira foi meu.
As palavras que dizemos e as que ouvimos
não são nossas em momento algum
e se ilude aquele que escreve e pensa: “isto é meu!”.
Elas chegam com o vento, como o vento.
Vêm de longe, de um onde não sabemos,
e por outros rostos foram ditas e em outras vozes
sob a sombra de outras árvores e outros frutos.
E outros ouvidos as ouviram em outras línguas.
Um vento de passagem as recolheu, um vento
como o que agora venta aqui. Vem e escuta!
Em outra noite como agora, em um lugar distante
um outro vento as recolheu nos braços, safra de letras.
e as palavras que pensamos nossas, vieram nele.
Terão cruzado o calor de algum deserto.
e povos beduínos as terão ouvido antes de nós
as palavras que cantaram e não são nossas.
Terão atravessado um mar, um oceano,
guiadas talvez por uma estrela
que de longe traduziu letras, palavras
e as entoou antes de nós, bem antes.
E com o vento chegaram aqui as palavras
e por um instante, durante um breve tempo
do passar do sopro de um vento errante
elas me habitam como quem, cansado
encontra uma tenda ou a sombra de outra árvore.
Um momento efêmero, porque logo tomam alento
e em um outro vento viajam... vão embora
e pousam em um lugar longe, de outras línguas.
E passaram por nós, e as ouvimos e falamos,
e algumas vezes as retemos num papel
imaginando sair de nós o que apenas nos visita.
E aqui ficamos enquanto elas nos deixam.
E o que chamamos, sem saber, “silêncio”
é apenas o seu ir embora e nos deixar
até que outro vento passe e em nós ressoe
um poema,um pensar, uma canção.
Palavras que repousam em nós o seu minuto.
Em nós que sonhamos que ouvimos
Vindo dos rios de nosso corpo o que flui no tempo,
em sabermos que aquele que escreve
é apenas um alguém um pouco mais atento ao vento.
Ele escreve as palavras que o possuem,
mas quem? Quem decifra a voz do vento?
zen by mordachai
Era uma tarde, o vento
Era uma tarde e era quase a noite,
no horizonte houve um traço de Van Gogh:
um tom de laranja e um outro cor de barro.
E eu sonhava ir indo por ali, sozinho.
Como quem deixa as uvas e colhe o vento.
A noite veio vindo como quem a pé
e acendeu entre a Lua e o Cruzeiro
um carreiro de velas. E pareceu até
que o breu da noite clareia mais que o dia
por um instante que fosse, um momento.
E sobre o manto do mar Órion molha as mãos
e quem neste vôo vela a noite como eu,
desperto e aceso, se espanta e se pergunta:
para onde foi o que da tarde havia?
E quem chegou e quando? Vindo de onde?
Trazido de qual nuvem? De qual vento?
De que lugar que longe há, e eu não sabia?
Van Gogh: outono
O berrante, o vento
Ouves este som? Pensas que é o vento?
Ouve de novo! Escuta e vê. Não venta.
E na volta da estrada é um som dolente
quem trás até aqui três notas de um berrante.
Alguém que não o vento o sopra. Ouves? Quem?
É um boiadeiro quem canta e, como o vento
fala a ele e aos bois, e a nós e a deus,
e a todos embala como se fosse um berço
o sertão que entanto é pedra e fogo aceso.
Berrante, o artefato de sopro mais humilde
e o som mais igual ao Om de Krishna.
O mais deserdado sopro, o mais sem arte.
Não há lugar para ele entre violas
e sanfonas e tambores das folias
e dos bailes que embalam alegrias
entre um dia vinte e cinco e um dia seis.
Ele sonha ser apenas um mugido,
um como o vento que de um chifre sai,
pois é ao gado que viaja que ele fala.
Não o ouves? E pensas que é o vento.
tu que vens de longe e aqui te esqueces.
Escuta, como em missa, como em prece.
Pastor de bois, o boiadeiro quando sopra
O berrante que o gado ouve e sente,
é um pouco como deus, senhor do vento.
Portinari: balão no céu
Algumas vezes – e elas são muitas – rabisco os meus poemas em folhas de fim de agendas e de cadernos, ou nas partes em branco dos livros de poesias que me acompanham entre viagens. E alguns ficam perdidos por alguns dias... ou por muitos anos.
Assim, neste final de 2007 encontrei três deles que quero partilhar com vocês. Os dois primeiros estavam rabiscados em uma caderneta, em meio a anotações de escritos a respeito da organização de grupos domésticos nas aldeias da Galícia. Notas para um livro inacabável chamado A Crônica de Oms, que um dia espero concluir. Como gosto de indicar local, data e situação de meus rabiscos, debaixo do primeiro está escrito: “Vôo Sampa/Madrid, saindo do Brasil” (sem data). E no segundo anotei: “sobre o Atlântico” (onde?). O último foi rabiscado na parte em branco das páginas 110 e 111, do livro, Poesias, onde Salvatore Quasimodo (um poeta que eu leio e releio sem cessar) escreveu o poema: Que desejas, pastor do ar?
Carlos Rodrigues Brandão
Um dia depois do Natal em 2007