Militância e Ativismo
Felipe Corrêa
O ato pelo ato e a auto-alimentação do movimento
Um dos aspectos negativos do ativismo, citado de passagem no número anterior, é a supervalorização de grandes atos festivos de rua a ponto de serem sua atividade principal. Ora, o que se quer realmente com esses atos? Qual a finalidade de se tentar impedir e só conseguir atrasar em algumas horas uma reunião entre o Banco Mundial e o FMI? Será que com esse atraso eles deixaram de planejar a política econômica para os próximos meses? E se fossem impedidos de se reunir, será que o capitalismo cessaria? Humildemente receamos que não.
Obviamente reuniões como essas só são divulgadas e transformadas em encontros para manter a falsa imagem da democracia, de que tudo é feito aos olhos dos povos de todo o mundo e toda aquela conversa fiada. Será mesmo que o Banco Mundial e o FMI não trocam informações e fazem planos sem que nós saibamos?
Alguns podem até argumentar que os atos servem apenas como simbologia, que representam a indignação popular e que a ação violenta típica do ativismo chama mais atenção (como se o emprego da violência fosse típico unicamente do ativismo), mas acreditamos que isso também não seja verdade. Primeiro porque em geral esse tipo de ato não tem nada de popular, nós já falamos sobre isso e depois, se serve para representar, o que há por trás deles para ser representado? Nossas propostas, enquanto anarquistas e revolucionários que somos, já estão suficientemente difundidas para nos expormos desse jeito e ganharmos a confiança da população pobre e explorada que ainda não está organizada para a luta? Será que nós realmente representamos seus anseios? Novamente receamos que não.
Parece que a lógica da dinâmica ativista é realizar atos e atividades para se auto-alimentar. Na melhor das hipóteses este tipo de prática atrairia apenas os que já estão envolvidos ideologicamente e que são uma minoria esmagadora perante a proporção de gente que seria necessário mobilizar para uma legítima manifestação popular, mas que por fim acaba não cumprindo este papel, pois como já foi visto na prática a coisa tende a esfriar e os atos se esvaziam. Acaba-se por gastar tempo e energia por nada.
Como militantes acreditamos que nosso trabalho é na verdade um processo que passa por várias fases, que num primeiro momento necessita criar raízes e referências nos movimentos populares autônomos fortalecendo-os e também se fortalecendo para só então partir para um enfrentamento mais direto, sempre com apoio popular no mínimo significativo. Do contrário nada faria sentido, pois assim estaríamos assumindo praticamente um caráter vanguardista se acharmos que a população vai concordar conosco e se conscientizar apenas ao nos ver sambando na Avenida Paulista ou jogando pedra no Mcdonald’s. Seria quase um foquismo, só que em vez de armas e seqüestros, batucadas e festas.
Quando colocamos as questões nestes termos a contradição com o ativismo é radical. Nós, como militantes, reconhecemos a importância de atos e manifestações, mas isso tem que ser construído dia-a-dia. Se não tivermos uma força organizada que atue junto aos trabalhadores, estudantes, população dos bairros e favelas, etc. jamais faremos atos realmente eficazes. As pessoas que vão a uma manifestação em sua maioria são pessoas envolvidas com algum trabalho militante, pessoas que sabem o porque da manifestação, seus objetivos, que a construíram coletivamente. Se militamos regularmente temos como debater isso com as pessoas, nos organizar coletivamente para ir a um ato. Caso contrário irão somente os organizadores e alguma pessoas que estão de passagem e que vez por outra aderem ao ato por curiosidade. Fora isso o único fator que pode “inchar” um ato é uma conjuntura muito positiva, que altere o estado de ânimo de uma parcela da população, mas achamos que não é bom ficar refém da conjuntura, porque ela muda. Exemplo vivo disso foram os atos anti-globalização de 2001, a conjuntura ajudava e muita gente veio, a onda passou e a coisa minguou, e minguou porque ali não havia base real mobilizada, porque não se avançou para a organização popular.
Hoje vemos ativistas embasbacados com a debandada geral a se perguntar o que aconteceu sem obter resposta. Cadê a AGP? Cade aquela juventude anti-globalização? Alguns fazem listas dos que traíram o movimento, sumiram, imaginam novas siglas, novas palavras de ordem para o movimento, tentam novos encontros, novos atos, tudo em vão. E não encontrar respostas enquanto não fizerem para si mesmos uma auto-crítica que ataca o próprio ativismo. Que a coragem não falte a eles...
Está mais do que provado que não é somente com panfletos de propaganda que se convence alguém a ir a um ato, é com organização popular cotidiana, é com inserção social, por mais trabalhoso e difícil que isso seja. E o ativismo renuncia a isso.
CORREA, FELIPE. Militância e anarquismo. Boletim Combate Anarquista, n. 37 e 38, julho/agosto. 2004. Disponível em http://www.anarkismo.net/article/19915 [download] – 07/09/2011.
BANKSY
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