Militância e Ativismo
Felipe Corrêa
No meio libertário é grande a confusão que se faz em torno do conceito de militância. Chega-se inclusive ao absurdo de tratá-lo como algo próprio do que é ou de quem é militar, ou na melhor das hipóteses, como se fosse algo dogmático, padronizado, típico de um militante comunista ortodoxo.
Caracterizações como essas evidenciam um infeliz e desesperado esforço de aproximar a militância de algo autoritário e hierárquico, supervalorizando um vocabulário institucionalizado, e aí sim militar, em detrimento de toda uma infinidade de conceitos produzidos a partir da luta real e histórica de organizações populares e específicas anarquistas em busca de uma sociedade mais justa. Evidenciam também um claro desrespeito ao histórico de lutas do trabalhador, que forjou cada um desses conceitos com seu próprio sangue e dedicação ao longo dos tempos e em diversos lugares. Geralmente os críticos da militância opõem a ela e propõem como forma de atuação política o ativismo. Mas será que militância e ativismo podem ser comparados e substituídos um pelo outro? Muito mais do que termos, palavras diferentes, ambos são conceitos diferentes e como tais têm conteúdos diferentes que em nosso ponto de vista, mais do que se distinguirem, se opõem muitos aspectos.
Militância, por exemplo, pressupõe um grau de entrega, seriedade e compromisso que geralmente não está presente no ativismo, assim como o desenvolvimento de um trabalho regular que busque envolver na luta revolucionária os mais diversos setores explorados e oprimidos da sociedade. Militância também pressupõe um trabalho de longo prazo onde o militante verdadeiramente comprometido vê-se obrigado a reorganizar sua própria vida, abrir mão de muita coisa, enfim transformar sua própria vida em prática militante.
Enquanto na militância ela própria passa a ser a vida do militante, no ativismo acontece a relação oposta e a própria vida é que passa a ser a prática ativista. No primeiro caso, a vida pessoal se adapta às necessidades da luta, no segundo caso, é a militância que deve caber na vida pessoal do indivíduo. Dessa maneira cria-se um estilo diferenciado, que inclui o modo de se vestir e adornar o corpo, de se alimentar, a maneira de morar e decorar a casa, de se manter economicamente e se desenvolve o gosto cultural pelo que é supostamente “consciente”, entre outras coisas. Criam-se variações, atuações criativas e esporádicas onde “tudo é anarquismo”. Enfim opta-se por um estilo de vida excêntrico que passa a ser a própria atuação política, possibilitando assim, que não se precise abrir mão de nenhum prazer e diversão em prol da “revolução”, pois ela já foi feita por ele (o ativista) consigo mesmo. É como se a revolução fosse algo meramente individual, existente no comportamento, e não um processo social.
Tudo isso faz com que a partir do ativismo o cara não se veja mais como um trabalhador, explorado pelo capitalismo e oprimido pelo Estado, mas unicamente como ativista, afastando-se dos meios sociais “normais e alienados”, identificando-se apenas com outros ativistas e criando um isolamento do campo popular incompatível com a militância. Muitas vezes reproduzindo preconceitos de classe sociais intermediárias da sociedade, onde têm origem muitos jovens que se aproximam do ativismo, segundo a autocrítica do próprio Reclaim the Streets – grupo inglês que foi um dos maiores incentivadores da dinâmica ativista no final da década de 90.
CORREA, FELIPE. Militância e anarquismo. Boletim Combate Anarquista, n. 37 e 38, julho/agosto. 2004. Disponível em http://www.anarkismo.net/article/19915 [download] – 07/09/2011.
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