Tuesday, 31 January 2012
Sunday, 29 January 2012
brandão - educação integral
---------- Forwarded message ----------
From: Carlos Brandao <>
Date: 2012/1/29
Subject: Re: UM OUTRO MUNDO É POSSIVEL
Alguns passos pelos caminhos de uma outra educação - idéias para tornar um pouco mais esperançosamente integral o que chamamos de "educação integral"
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO
2011-2012
1. Descolonizar a educação da pedagogia e, mais ainda, do pedagogismo. Não permitir que a educação seja pensada apenas como algo entre a ciência-e-a-técnica. Relativizar o seu teor dominante de uma tardia e limitante escolha didático-científico - o que se resolve no "prosaico", lembrado por Edgar Morin - em nome de uma vocação equilibradamente dialógico-poética. Ou mesmo "poiética". Poetizar a educação e poietizar a escola.
2. Des-apressar o aprender. Retardar o que-saber em nome do como-viver. Retardar progressões escolares e abrir mais tempo ao poético por oposição ao prosaico (Edgar Morin), ao devaneio por oposição ao conceitual (Gaston Bachelard), ao dialógico (Paulo Freire), por oposição ao monológico (sobretudo o regido por apresentações previsíveis e pré-estabelecidas, via data-show), ao poiético = construir a poesia-de-si-mesmo, por oposição ao pragmático = instruir-se para construir apenas coisas.
3. Recriar o direito ao improviso, ao imprevisível, ao criativo, remando contra o pré-estabelecido, o previsível, o previsível. Conspirar contra a mecanização do ensinar, como a que se estabelece em cima de programas de curso rigidamente pré-montados e empacotados. Retomar as aulas e diálogos em cima de roteiros fluidos a serem construídos no memento da aula ou da fala. Relativizar (muito) o primado crescente das aulas data-show em que um saber criativo e elaborado no momento do ensinar-aprender, com pleno direito ao improviso de parte do professor e de alunos e retomar a aula em que a fala de parte a parte constrói o seu saber ou invés de trazer a sua informaçãopronta, repetitiva e não aberta à criação do debate e da descoberta do saber no ato do aprender.
4. Abolir ou reduzir o quanto for possível as competições e as concorrências. A escola não é um estádio e nem a educação é uma olimpíada. Reduzir muito ou eliminar competições e “ranquicisações” em nome de uma escola de partilhas e construções coletivas e não comparáveis em termos de escalas e hierarquias. Relativizar a individualização competitiva em favor de uma individuação (Jung) cooperativa. Abolir ou reduzir muito as premiações excludentes (nos pódios sempre só cabem três), os “quadros de honra”, os “primeiros colocados” e o silêncio a respeito de “todos os outros”.
5. Repensar a pedagogia como a arte de criar, gerar, partilhar e fazer circular saberes; de desafiar a aprender e integrarconhecimentos, de oferecer apenas de forma complementar e acessória as informações (subordinadas a conhecimentos e saberes) solidária e coletivamente. Aprender é criar saberes junto, para depois interiorizar a sua parte do saber coletivamente construído.
Retomar a trajetória que vai da informação (o que se adquire e acumula sem reflexão e partilha), o conhecimento (aquilo que interioriza em um diálogo reflexivo e crítico com outros, entre e presenças) e chega ao saber (aquilo que se cria apenas em situações de partilha e que flui entre todos, sem ser uma posse de ninguém).
6. Centrar o processo do ensino-aprendizagem no “acontecer do aprender” em equipes e no entre-nós, a pessoa-com-os-outros e não no indivíduo contra os outros e à margem da equipe, da turma.
7. Re-vivenciar a experiência do aprender como um trabalho também sobre a reminiscência (a anamnese), a lembrança do vivo, a memória do partilhado em interação com o acontecendo aqui-e-agora. Fazer o foco do ensinar-aprender partir não apenas de um concreto-abstrato dominado pelo professor e pela rotina de um “programa. Mas de situações pessoais e interativas vividas e pensadas pelos alunos desde a experiência de momentos-foco de vidas cotidianas. Se isto é feito com terapias que pretendem partir do e atingir o âmago da vida interior de pessoas, porque não fazer o mesmo com a educação. Uma educação que só pode pretender ser integral e transdisciplinar se tomar como ponto de partida o núcleo pessoal dialogável de cada um e de todos os seus participantes.
8. Recolocar o foco da educação - sem temor algum - naquilo que até a algum tempo atrás era chamado de “espiritualidade” (entre Teilhard de Chardin e Foucault), de “vida interior”; de “busca pessoal e interativa do bem, do belo e do verdadeiro (Platão o Gardner). (Quem tiver dúvidas sobre o valor disto, ler com atenção o curso sobre A Hermenêutica do Sujeito, dado por Foucault no Collége de France).
Relativizar muito a tendência crescente a funcionalizar a educação para capacitar o competente-e-produtivo, em nome de re-humanizar a educação para formar o consciente-criativo. Recolocar no foco da educação o diálogo constante da comunidade aprendente com não apenas a “informação útil e disponível (como o “inglês funcional, para aprender a falar com máquinas e com empresários), mas o saber transbordante e difícil (como aprender inglês para ler Shakespeare e Frost). Menos fragmentos de poesia-instrumental para ensinar gramática-funcional e mais gramática-profunda para preparar leitores atentos e maravilhados a Cecília Meireles e João Guimarães Rosa.
9. Realizar de fato – e não apenas nas teorias dos simpósios e congressos sobre transdisciplinaridade – interações "de igual para igual" entre a arte, a filosofia, a espiritualidade e a ciência. Criar currículos em que a música recobre o se lugar na sala de aula e dialogo por igual com a matemática, a dança com a geografia e a poesia com o ensino de “língua pátria”. Se necessário, aprender com Leonardo da Vinci, Gaston Bachelard, Roland Barthes, Antônio Cândido que a arte não é um saber ocioso destinado a horas de recreio, ou para atividades para-escolares, mas é um outro saber, talvez tão ou mais profundo e formador que as ciências... que quanto mais densas e desafiadoras, mais se aproximam do mistério, da filosofia e da arte.
10. Levar esta interação para além do meramente “transdisciplinar”, abrir-se ao todo e ao complexo da “sabedoria do mundo”. Levar a sério a proposta (sempre incipiente, sempre aos pedaços) de uma educação multiculturalista a um ponto limite. A um lugar de efetiva fronteira-de-diálogo entre os saberes-de-ciência (ocidental e acadêmica) e os saberes-outros. Realizar isto a partir do pressuposto de qualquer outro saber vindo de qualquer outra cultura é não tanto uma “forma curiosa e interessante de pensar e viver”, mas é uma outra fonte original, interativa e complexa de “lição das coisas” (Carlos Drummond de Andrade) e de compreensão do humano, da vida e do mundo apenas diferentes e em nada desigualmente “menores” do que o que culturas eruditas do ocidente produziram. Os saberes de Cambridge e Nova York ameaçam mais a nossa felicidade e a nossa sobrevivência do que o dos aymaras e os guarani.
11. A partir do saber de algumas destas tradições “de longe”, aquietar um tanto mais a educação, serenar a didática e pausar a didática. Talvez o agito das salas de aula e a violência da escolas diminua um pouco ou muito mais com a inclusão de momentos de “nada fazer” em favor de estar-na-sua, serenamente meditando ou aprendendo com aulas de Tai-Chi – onde ninguém compete com ninguém, mas cada uma se harmoniza em conjunto com outros – a tranqüilizar de dentro para fora, e do equilíbrio do corpo para o “zen” do espírito, a mente e as “energias”. Será que boa parte do que torna nossas alunas “agressivas” e as nossas escolas “violentas”, não virá de estarmos trazendo para dentro da escola a mesma lógica, a mesma ética (ou pseudo-ética) e a mesma sensibilidade do competitivo-competente de um mundo que há séculos transita entre as forças armadas e o mundo dos negócios?
12. No seu sentido mais radicalmente humano e, por isto mesmo, mais transformador, recolocar a política no centro do que se vive na escola. Primeiro o sentido de política como "cuidado da polis", a cor-responsabilidade pela gestão coletiva e amplamente participativa nos destinos de grupos humanos locais, de comunidades, da cidade, da nação e de todo o mundo.
Em segundo lugar, o sentido de política como partilha do processo de transformar pessoas (conscientizar, em Paulo Freire ) para criar também a partir da escola e desde a infância, seres humanos com um sentimento e um saber de liberdade e de autonomia, logo, de partilha, participação e co-gestão ativa e solidária de processos de transformação de nossos mundos de vida e de destino.
Destinar a educação, uma educação humanista e radicalmente integral a formar sujeitos conscientes-cooperativos para a transformação humanizadora da sociedade e, não, sujeitos competentes-competitivos para a reprodução da lógica e do poder do mercado do capital.
Que ainda e sempre (ou até quando for preciso) seja em nome e a serviço dos “deserdados da Terra e da terra” =, dos pobres e dos excluídos que o nosso labor como educador esteja preferencialmente dirigido.
13. Assim sendo, associar a escola e a educação a práticas do cotidiano que em suas diferentes escalas remam contra os saberes, valores e poderes do capitalismo: a simplicidade voluntária (erigir uma vida solidariamente simples como um valor; considerar pessoas situadas á margem do mercado não como "desempregados", mas como optantes por uma vocação alternativa, etc.); a economia solidária (a partir do cotidiano da escola (onde estão neste momento os que constroem estes prédios, limpam estas salas, servem o café na cantina?); a gestão cooperativa da escola (experiências já em curso desde o passado).
14. Assim, desvestir uma educação integral de máscaras em que ela aparece como algo que apenas de leve humaniza e integra valores e fatores de uma educação dominada pela lógica do mundo dos negócios e destinada a reproduzir e reforçar o poder do capitalismo. Desde as práticas do cotidiano, pensar os termos concretos e a prática de educações libertárias, de uma educação em busca de construção de si mesma como socialista, e de seu lugar na construção de pessoas de vocação solidariamente socialista, para a construção de sociedades crescentemente socialistas.
15. Retomar a educação a uma vocação de fato mais culturalmente “natural”. Em um tempo em que as telas e as conexões eletrônicas parecem deslocar a realidade do mundo da vida do vivencial para o virtual, retomar os caminhos da experiência-da-natureza. Talvez tenha chegado o momento de pensarmos – ente tantas teóricas inovações didáticas – se a escola não deveria voltar-se mais a ser parecida com um “acampamento de escoteiros” do que com um “laboratório de internautas”. Mãos que juntas plantam árvores poderão salvar o planeta mais do que dedos que teclam no computador mensagens ambientalistas em favor da Amazônia.
16. Enfim lembrar com Sartre que "uma coisa é o que fizeram de nós. E outra coisa é o que fazemos do que fizeram de nós..."
Partir da idéia de que na verdade, se quisermos, somos e sermos nós e os nossos educandos-herdeiros aqueles a quem cabe a continuidade e a densidade do trabalho de transformarmos nossas vidas, nossos destinos e os mundos em que partilhamos nossas vidas e destinos.
17. Lembrar, enfim, que somente haverá UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL quando existir UM OUTRO SER HUMANO POSSÍVEL. E este somente existirá quando soubermos criar UMA OUTRA EDUCAÇÃO POSSÍVEL.
E este POSSÍVEL depende de nós mesmos e de nós mesmas, muito mais do que nós próprios/as imaginamos.
From: Carlos Brandao <>
Date: 2012/1/29
Subject: Re: UM OUTRO MUNDO É POSSIVEL
Alguns passos pelos caminhos de uma outra educação - idéias para tornar um pouco mais esperançosamente integral o que chamamos de "educação integral"
CARLOS RODRIGUES BRANDÃO
2011-2012
1. Descolonizar a educação da pedagogia e, mais ainda, do pedagogismo. Não permitir que a educação seja pensada apenas como algo entre a ciência-e-a-técnica. Relativizar o seu teor dominante de uma tardia e limitante escolha didático-científico - o que se resolve no "prosaico", lembrado por Edgar Morin - em nome de uma vocação equilibradamente dialógico-poética. Ou mesmo "poiética". Poetizar a educação e poietizar a escola.
2. Des-apressar o aprender. Retardar o que-saber em nome do como-viver. Retardar progressões escolares e abrir mais tempo ao poético por oposição ao prosaico (Edgar Morin), ao devaneio por oposição ao conceitual (Gaston Bachelard), ao dialógico (Paulo Freire), por oposição ao monológico (sobretudo o regido por apresentações previsíveis e pré-estabelecidas, via data-show), ao poiético = construir a poesia-de-si-mesmo, por oposição ao pragmático = instruir-se para construir apenas coisas.
3. Recriar o direito ao improviso, ao imprevisível, ao criativo, remando contra o pré-estabelecido, o previsível, o previsível. Conspirar contra a mecanização do ensinar, como a que se estabelece em cima de programas de curso rigidamente pré-montados e empacotados. Retomar as aulas e diálogos em cima de roteiros fluidos a serem construídos no memento da aula ou da fala. Relativizar (muito) o primado crescente das aulas data-show em que um saber criativo e elaborado no momento do ensinar-aprender, com pleno direito ao improviso de parte do professor e de alunos e retomar a aula em que a fala de parte a parte constrói o seu saber ou invés de trazer a sua informaçãopronta, repetitiva e não aberta à criação do debate e da descoberta do saber no ato do aprender.
4. Abolir ou reduzir o quanto for possível as competições e as concorrências. A escola não é um estádio e nem a educação é uma olimpíada. Reduzir muito ou eliminar competições e “ranquicisações” em nome de uma escola de partilhas e construções coletivas e não comparáveis em termos de escalas e hierarquias. Relativizar a individualização competitiva em favor de uma individuação (Jung) cooperativa. Abolir ou reduzir muito as premiações excludentes (nos pódios sempre só cabem três), os “quadros de honra”, os “primeiros colocados” e o silêncio a respeito de “todos os outros”.
5. Repensar a pedagogia como a arte de criar, gerar, partilhar e fazer circular saberes; de desafiar a aprender e integrarconhecimentos, de oferecer apenas de forma complementar e acessória as informações (subordinadas a conhecimentos e saberes) solidária e coletivamente. Aprender é criar saberes junto, para depois interiorizar a sua parte do saber coletivamente construído.
Retomar a trajetória que vai da informação (o que se adquire e acumula sem reflexão e partilha), o conhecimento (aquilo que interioriza em um diálogo reflexivo e crítico com outros, entre e presenças) e chega ao saber (aquilo que se cria apenas em situações de partilha e que flui entre todos, sem ser uma posse de ninguém).
6. Centrar o processo do ensino-aprendizagem no “acontecer do aprender” em equipes e no entre-nós, a pessoa-com-os-outros e não no indivíduo contra os outros e à margem da equipe, da turma.
7. Re-vivenciar a experiência do aprender como um trabalho também sobre a reminiscência (a anamnese), a lembrança do vivo, a memória do partilhado em interação com o acontecendo aqui-e-agora. Fazer o foco do ensinar-aprender partir não apenas de um concreto-abstrato dominado pelo professor e pela rotina de um “programa. Mas de situações pessoais e interativas vividas e pensadas pelos alunos desde a experiência de momentos-foco de vidas cotidianas. Se isto é feito com terapias que pretendem partir do e atingir o âmago da vida interior de pessoas, porque não fazer o mesmo com a educação. Uma educação que só pode pretender ser integral e transdisciplinar se tomar como ponto de partida o núcleo pessoal dialogável de cada um e de todos os seus participantes.
8. Recolocar o foco da educação - sem temor algum - naquilo que até a algum tempo atrás era chamado de “espiritualidade” (entre Teilhard de Chardin e Foucault), de “vida interior”; de “busca pessoal e interativa do bem, do belo e do verdadeiro (Platão o Gardner). (Quem tiver dúvidas sobre o valor disto, ler com atenção o curso sobre A Hermenêutica do Sujeito, dado por Foucault no Collége de France).
Relativizar muito a tendência crescente a funcionalizar a educação para capacitar o competente-e-produtivo, em nome de re-humanizar a educação para formar o consciente-criativo. Recolocar no foco da educação o diálogo constante da comunidade aprendente com não apenas a “informação útil e disponível (como o “inglês funcional, para aprender a falar com máquinas e com empresários), mas o saber transbordante e difícil (como aprender inglês para ler Shakespeare e Frost). Menos fragmentos de poesia-instrumental para ensinar gramática-funcional e mais gramática-profunda para preparar leitores atentos e maravilhados a Cecília Meireles e João Guimarães Rosa.
9. Realizar de fato – e não apenas nas teorias dos simpósios e congressos sobre transdisciplinaridade – interações "de igual para igual" entre a arte, a filosofia, a espiritualidade e a ciência. Criar currículos em que a música recobre o se lugar na sala de aula e dialogo por igual com a matemática, a dança com a geografia e a poesia com o ensino de “língua pátria”. Se necessário, aprender com Leonardo da Vinci, Gaston Bachelard, Roland Barthes, Antônio Cândido que a arte não é um saber ocioso destinado a horas de recreio, ou para atividades para-escolares, mas é um outro saber, talvez tão ou mais profundo e formador que as ciências... que quanto mais densas e desafiadoras, mais se aproximam do mistério, da filosofia e da arte.
10. Levar esta interação para além do meramente “transdisciplinar”, abrir-se ao todo e ao complexo da “sabedoria do mundo”. Levar a sério a proposta (sempre incipiente, sempre aos pedaços) de uma educação multiculturalista a um ponto limite. A um lugar de efetiva fronteira-de-diálogo entre os saberes-de-ciência (ocidental e acadêmica) e os saberes-outros. Realizar isto a partir do pressuposto de qualquer outro saber vindo de qualquer outra cultura é não tanto uma “forma curiosa e interessante de pensar e viver”, mas é uma outra fonte original, interativa e complexa de “lição das coisas” (Carlos Drummond de Andrade) e de compreensão do humano, da vida e do mundo apenas diferentes e em nada desigualmente “menores” do que o que culturas eruditas do ocidente produziram. Os saberes de Cambridge e Nova York ameaçam mais a nossa felicidade e a nossa sobrevivência do que o dos aymaras e os guarani.
11. A partir do saber de algumas destas tradições “de longe”, aquietar um tanto mais a educação, serenar a didática e pausar a didática. Talvez o agito das salas de aula e a violência da escolas diminua um pouco ou muito mais com a inclusão de momentos de “nada fazer” em favor de estar-na-sua, serenamente meditando ou aprendendo com aulas de Tai-Chi – onde ninguém compete com ninguém, mas cada uma se harmoniza em conjunto com outros – a tranqüilizar de dentro para fora, e do equilíbrio do corpo para o “zen” do espírito, a mente e as “energias”. Será que boa parte do que torna nossas alunas “agressivas” e as nossas escolas “violentas”, não virá de estarmos trazendo para dentro da escola a mesma lógica, a mesma ética (ou pseudo-ética) e a mesma sensibilidade do competitivo-competente de um mundo que há séculos transita entre as forças armadas e o mundo dos negócios?
12. No seu sentido mais radicalmente humano e, por isto mesmo, mais transformador, recolocar a política no centro do que se vive na escola. Primeiro o sentido de política como "cuidado da polis", a cor-responsabilidade pela gestão coletiva e amplamente participativa nos destinos de grupos humanos locais, de comunidades, da cidade, da nação e de todo o mundo.
Em segundo lugar, o sentido de política como partilha do processo de transformar pessoas (conscientizar, em Paulo Freire ) para criar também a partir da escola e desde a infância, seres humanos com um sentimento e um saber de liberdade e de autonomia, logo, de partilha, participação e co-gestão ativa e solidária de processos de transformação de nossos mundos de vida e de destino.
Destinar a educação, uma educação humanista e radicalmente integral a formar sujeitos conscientes-cooperativos para a transformação humanizadora da sociedade e, não, sujeitos competentes-competitivos para a reprodução da lógica e do poder do mercado do capital.
Que ainda e sempre (ou até quando for preciso) seja em nome e a serviço dos “deserdados da Terra e da terra” =, dos pobres e dos excluídos que o nosso labor como educador esteja preferencialmente dirigido.
13. Assim sendo, associar a escola e a educação a práticas do cotidiano que em suas diferentes escalas remam contra os saberes, valores e poderes do capitalismo: a simplicidade voluntária (erigir uma vida solidariamente simples como um valor; considerar pessoas situadas á margem do mercado não como "desempregados", mas como optantes por uma vocação alternativa, etc.); a economia solidária (a partir do cotidiano da escola (onde estão neste momento os que constroem estes prédios, limpam estas salas, servem o café na cantina?); a gestão cooperativa da escola (experiências já em curso desde o passado).
14. Assim, desvestir uma educação integral de máscaras em que ela aparece como algo que apenas de leve humaniza e integra valores e fatores de uma educação dominada pela lógica do mundo dos negócios e destinada a reproduzir e reforçar o poder do capitalismo. Desde as práticas do cotidiano, pensar os termos concretos e a prática de educações libertárias, de uma educação em busca de construção de si mesma como socialista, e de seu lugar na construção de pessoas de vocação solidariamente socialista, para a construção de sociedades crescentemente socialistas.
15. Retomar a educação a uma vocação de fato mais culturalmente “natural”. Em um tempo em que as telas e as conexões eletrônicas parecem deslocar a realidade do mundo da vida do vivencial para o virtual, retomar os caminhos da experiência-da-natureza. Talvez tenha chegado o momento de pensarmos – ente tantas teóricas inovações didáticas – se a escola não deveria voltar-se mais a ser parecida com um “acampamento de escoteiros” do que com um “laboratório de internautas”. Mãos que juntas plantam árvores poderão salvar o planeta mais do que dedos que teclam no computador mensagens ambientalistas em favor da Amazônia.
16. Enfim lembrar com Sartre que "uma coisa é o que fizeram de nós. E outra coisa é o que fazemos do que fizeram de nós..."
Partir da idéia de que na verdade, se quisermos, somos e sermos nós e os nossos educandos-herdeiros aqueles a quem cabe a continuidade e a densidade do trabalho de transformarmos nossas vidas, nossos destinos e os mundos em que partilhamos nossas vidas e destinos.
17. Lembrar, enfim, que somente haverá UM OUTRO MUNDO POSSÍVEL quando existir UM OUTRO SER HUMANO POSSÍVEL. E este somente existirá quando soubermos criar UMA OUTRA EDUCAÇÃO POSSÍVEL.
E este POSSÍVEL depende de nós mesmos e de nós mesmas, muito mais do que nós próprios/as imaginamos.
Carlos Rodrigues Brandão
Buritizeiro – beiras do Rio de São Francisco
(em um dezembro de grandes chuvas em 2011)
Revisto durante o FORUM SOCIAL TEMÁTICO em Porto Alegre ,
em janeiro de 2012, entre calor e chuva.
Diego Riviera: Terra abundante (1926)
*
Wednesday, 25 January 2012
animações ecológicas
sacolas plásticas: não mais...
sobre a água e os campos de poder
ABUELLA GRILLO
http://youtu.be/YMM7vM7aiNI
as tais tecnologias limpas?
http://youtu.be/qCdDPCZfDoE
Monday, 23 January 2012
geóglifo Amazônia: seriam os deuses astronautas?
fonte - sbpc
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=80848
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=80848
Desmatamento revela história da Amazônia | |
O desmatamento que assola a Amazônia desde a década de 1970 também expõe impressionantes descobertas arqueológicas por baixo da densa floresta: formas geométricas impecáveis, com centenas de metros de diâmetro e idade entre 1.000 e 2.000 anos.
"Essas linhas eram perfeitas demais para não terem sido feitas pelo homem", disse o pecuarista Edmar Araújo, 62, que décadas atrás descobriu algumas formas, incluindo valas com seis metros de profundidade, ao capinar sua propriedade em Rio Branco. "A única explicação que eu tinha era que seriam trincheiras da guerra contra os bolivianos." O pesquisador Alceu Ranzi, que participou da descoberta desses quadrados, octógonos, círculos, retângulos e formas ovais, disse que os geoglifos acrianos são tão significativos quanto as famosas linhas de Nazca, enigmáticos símbolos animais identificáveis em sobrevoos no sul do Peru.
"O que mais me impressionou nesses geoglifos foi sua precisão geométrica e como eles emergiram da floresta que todos julgávamos ser intocada, exceto por algumas tribos nômades", disse Ranzi, paleontólogo que viu pela primeira vez os geoglifos nos anos 1970, e depois os mapeou de avião.
Os geoglifos do Acre e outros sítios arqueológicos sugerem que a Amazônia ocidental, antes considerada inabitável por sociedades mais sofisticadas, em parte por causa da baixa qualidade do seu solo, pode não ter sido sempre tão virgem quanto afirmam alguns ambientalistas.
Parte da Amazônia pode ter abrigado por séculos povos com milhares de integrantes, vivendo em dezenas de cidades conectadas por uma rede de estradas, explica o escritor Charles Mann. Mann, autor de "1491", um livro sobre a América pré-colombiana, disse que algumas partes da Amazônia foram "muito mais densamente povoadas do que se pensava", e que "essa gente propositadamente modificou seu ambiente de maneira duradoura".
Por causa desses longos períodos de ocupação humana, as colossais florestas sul americanas podem em alguns momentos terem sido bem menores, com grandes extensões se parecendo com um cerrado relativamente vazio. Tais revelações são um detalhe incômodo ao atual debate político sobre a preservação das florestas, em que alguns ambientalistas se opõem a qualquer uso agrícola intensivo da Amazônia.
Os cientistas daqui também dizem se opor à queima das florestas, embora pesquisas indiquem que a Amazônia teve atividades de agricultura no passado. Na verdade, eles dizem que outras áreas tropicais, especialmente na África, poderiam se beneficiar de estratégias já usadas na Amazônia para driblar as limitações do solo. "Se alguém quiser recriar a Amazônia pré-colombiana, a maior parte da floresta precisa ser retirada e substituída por muita gente e por uma paisagem gerenciada e altamente produtiva", disse o geólogo William Woods, da Universidade do Kansas, que estuda os geoglifos.
Enquanto os pesquisadores montam a história ecológica da Amazônia, as origens dos geoglifos e do povo que os fez continuam envoltas em mistério. Até agora, 290 obras desse tipo foram achadas no Acre, além de cerca de 70 outras na Bolívia, e 30 nos estados do Amazonas e de Rondônia. Os pesquisadores descobriram os geoglifos na década de 1970, época em que a ditadura militar brasileira estimulava colonos a se radicarem na Amazônia, sob o slogan "ocupar para não entregar".
Mas a descoberta gerou pouca atenção científica até que Ranzi começasse a fazer um levantamento no fim da década de 1990, e que pesquisadores brasileiros, finlandeses e americanos passassem a descobrir mais geoglifos graças ao auxílio de pequenos aviões e de imagens de satélites em alta resolução.
Os cientistas acreditam que os geoglifos tiveram uma importância cerimonial, semelhante às catedrais medievais da Europa. Os geoglifos estão distantes de assentamentos pré-colombianos descobertos em outros pontos da Amazônia. Grandes lacunas ainda restam no que se sabe sobre os indígenas dessa região amazônica, depois de milhares deles terem sido escravizados, mortos ou expulsos das suas terras durante o ciclo da borracha, a partir do fim do século 19.
"Esta é uma nova fronteira para a exploração e a ciência", disse o biólogo e escritor Tiago Juruá. "O desafio agora é fazer mais descobertas nas florestas que ainda estão de pé, com a esperança de que elas não sejam destruídas em breve."
(Folha de São Paulo, via The New York Times)
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fonte -
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Slow Food e o mercado
fonte - ihu
http://www.ihu.unisinos.br/cadernos-ihu-ideias/503409-slow-food-mercado
http://www.ihu.unisinos.br/cadernos-ihu-ideias/503409-slow-food-mercado
160ª edição - O Slow Food e novos princípios para o mercado
Cadernos IHU ideias, em sua 160ª edição, apresenta "O Slow Food e novos princípios para o mercado" de Eriberto Nascente Silveira.
Neste texto o autor, atualmente doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, aponta o esforço do movimento Slow Food pela busca da sustentabilidade social e ambiental, colocando em xeque os atuais princípios de decisões assumidas pelo mercado, na medida em que tais decisões expõem a possibilidade de relações sustentáveis de produtos alimentares a uma constante inviabilidade.
Wednesday, 18 January 2012
O homem que plantava árvores - Jean Giono
fonte -
http://home.infomaniak.ch/~arboretum/man_tree.htm -
É a história de um senhor muito peculiar, o pastor Elzéard Bouffier,contada por Jean Giono. A animação, lindíssima, é deFrédéric Back. Direção: PHELIPPE NOIRET. Conta a história de um homem bom e simples, um pastor que, em total sintonia com a natureza, faz crescer uma floresta onde antes era uma região árida e inóspita. As sementes por ele plantadas representam a esperança de que podemos deixar pra trás um mundo mais belo e promissor do que aquele que herdamos.
OSCAR® 1988 – Melhor filme curto de animação
ANNECY 1987 (Festival Internacional do Cinema de Animação) – Grande Prêmio e Prémio do Público, , Annecy, França, 1987.
Festival Internacional de Animação de Hiroshima 1987 – Grande Prêmio
Festival Internacional de Ottawa 1988 – Grande Prêmio
............
http://home.infomaniak.ch/~arboretum/man_tree.htm -
O homem que plantava árvores
“L´Homme qui plantait dês arbres”
~ Jean Giono
É a história de um senhor muito peculiar, o pastor Elzéard Bouffier,contada por Jean Giono. A animação, lindíssima, é deFrédéric Back. Direção: PHELIPPE NOIRET. Conta a história de um homem bom e simples, um pastor que, em total sintonia com a natureza, faz crescer uma floresta onde antes era uma região árida e inóspita. As sementes por ele plantadas representam a esperança de que podemos deixar pra trás um mundo mais belo e promissor do que aquele que herdamos.
OSCAR® 1988 – Melhor filme curto de animação
ANNECY 1987 (Festival Internacional do Cinema de Animação) – Grande Prêmio e Prémio do Público, , Annecy, França, 1987.
Festival Internacional de Animação de Hiroshima 1987 – Grande Prêmio
Festival Internacional de Ottawa 1988 – Grande Prêmio
fonte - info educação USP
O homem que plantava árvores
JEAN GIONO
JEAN GIONO
Há cerca de 40 anos eu fiz uma longa excursão a pé por montanhas absolutamente desconhecidas por turistas naquela velha região onde os Alpes penetram na Provença.
Esta região é delimitada no sudeste pelo curso médio do Durance, entre Sisteron e Mirabeau, ao norte pelo curso superior do Drome, de sua nascente até o Die, a oeste pelos planos do Condado Venaissin e pelas beiradas do Monte Ventoux. Incluía toda a parte norte do departamento dos Alpes Baixos, o sul de Drome e um pequeno enclave do Vaucluse.
No momento em que iniciei minha longa jornada através desta região desértica, ela consistia em estéreis e monótonas terras, entre 1200 e 1300 metros acima do nível do mar. Nada crescia ali a não ser lavanda silvestre
Eu estava cruzando esta região na sua parte mais larga e depois de andar por três dias, eu me achei na mais completa desolação. Eu acampei perto do esqueleto de uma vila abandonada. Eu usara o resto da minha água no dia anterior e precisava achar mais. Apesar das casas estarem em ruínas e parecerem um velho ninho de vespas, pensei que deveria haver uma fonte ou um poço por lá. De fato, havia uma fonte, mas estava seca. As cinco ou seis casas sem telhado, carcomidas pelo sol e pelo vento, e a pequena capela com o campanário destruído, estavam arranjadas como as casas e capelas de aldeias vivas, mas toda a vida desaparecera.
Era um lindo dia de junho cheio de sol, mas nestas terras sem abrigo, o vento soprava com insuportável violência, rosnando nas carcaças das casas como um animal selvagem perturbado durante sua refeição
Eu precisava levantar meu acampamento. Depois de cinco horas andando, eu ainda não achara água e nada deu-me esperança de achá-la. Tudo era a mesma secura, a mesma vegetaçao lenhosa. Eu pensei ter visto a distância uma silhueta escura. Fui até lá. Era um pastor. Cerca de trinta ovelhas estavam descansando perto dele na terra seca.
Ele me deu de beber de seu cantil e um pouco depois ele me levou para sua cabana de pastor, numa ondulação do platô. Ele retirou sua água – de excelente qualidade – de um poço natural, muito profundo, onde ele instalara uma roldana rudimentar.
Este homem falava pouco. Isso é comum entre aqueles que vivem sozinhos, mas ele parecia seguro de si e confiava nessa segurança, o que era surpreendente naquela região árida.
Ele morava, não na cabana, mas numa casa real de pedras, pelo visto era claro que fora ele mesmo que restaurara as ruínas que ele achara quando chegou. Seu telhado era sólido e bem vedado. O vento soprava contra as telhas com o som do mar batendo na praia.
A casa estava em ordem, seus pratos estavam limpos, seu chão varrido, seu rifle lubrificado, sua sopa fervia no fogo, eu reparei então que ele estava recém-barbeado, que todos os seus botões eram solidamente costurados e que suas roupas estavam remendadas de tal modo que os remendos eram invisíveis.
Combinamos que eu passaria a noite lá, a vila mais próxima estava a mais de um dia e meio de distância. Além disso, eu percebi perfeitamente bem o caráter das vilas da região. Havia quatro ou cinco delas dispersas pelos flancos das montanhas, nos bosques de carvalhos brancos no fim das estradas passáveis por carruagens. Eram habitadas por lenhadores que faziam carvão. Eram lugares onde a vida era pobre. As famílias, que viviam juntas em cômodos pequenos num clima excessivamente duro, tanto no verão quanto no inverno, lutavam egoisticamente entre si.
Inimizade irracional cresce além dos limites, alimentada pela luta contínua para escapar daquele lugar. Os homens levam seu carvão às cidades em seus caminhões e então retornam. As qualidades mais sólidas quebram debaixo dessa perpétua ducha escocesa. As mulheres tornam-se amargas. Há competição acerca de tudo, da venda do carvão aos bancos da igreja. As virtudes lutam entre si, os vícios lutam entre si e há um combate incessante entre os vícios e as virtudes. Acima de tudo o vento igualmente incessante irrita os nervos. Há epidemias de suicídios e numerosos casos de insanidade, quase sempre assassinos.
O pastor, que não fumava, tirou pegou um saco e espalhou sobre a mesa uma porção de frutos de carvalho. Ele começou a examiná-los um por um com grande atenção, separando os bons dos ruins. Eu fumava meu cachimbo. Eu me ofereci para ajudá-lo, mas ele me disse que que aquilo era função dele. De fato, vendo o cuidado com que ele devotava a este trabalho, eu não insisti. Esta foi toda a nossa conversa. Quando ele tinha um pilha de frutos bons, ele os contou em grupos de dez. Enquanto fazia isso ele eliminava alguns, desprezando os menores ou os que tinham rachaduras, pois ele os examinava bem de perto. Quando ele teve diante dele cem frutos de carvalho perfeitos ele parou e fomos dormir.
A companhia deste homem trouxe-me uma sensação de paz. Eu perguntei-lhe na manha seguinte se eu podia ficar e descansar o dia inteiro com ele. Ele achou aquilo perfeitamente natural. Ou, mais exatamente, ele me deu a impressão de que nada podia perturbá-lo. Este descanso não era absolutamente necessário para mim, mas eu fiquei intrigado e queria saber mais a respeito daquele homem. Ele tirou as ovelhas do aprisco e levou-as ao pasto. Antes de partir ele molhou num balde d'água o saquinho que continha os frutos de carvalho que ele tão cuidadosamente havia escolhido e contado.
Eu notei que ele carregava como uma espécie de cajado uma barra de ferro de um metro e meio de comprimento e a espessura de seu polegar.
Eu andei como se estivesse passeando, seguindo uma rota paralela a sua. Suas ovelhas pastavam no fundo de um vale. Ele deixou seu rebanho aos cuidados de seu cachorro e subiu até o ponto onde eu estava. Eu fiquei temeroso de que ele viesse para me repreender por indiscrição, mas nao: era sua própria rota e ele me convidou para acompanhá-lo, se eu não tivesse nada melhor para fazer. Ele continuou subindo por duzentos metros.
Tendo chegado ao local destinado, ele começou a cavar a terra com o cajado de ferro, fazendo um buraco onde ele punha um fruto de carvalho, cobrindo o buraco depois. Ele estava plantando carvalhos. Eu lhe perguntei se aquela terra pertencia a ele. Ele disse que não. Ele sabia a quem aquelas terras pertenciam? Ele não sabia. Ele supunha que era terra comunal, ou talvez pertencesse a alguém que não se importava com ela. Ele mesmo não se importava em conhecer quem era o proprietário. Deste modo ele plantou seus cem frutos com todo o cuidado.
Depois do almoço ele começou a separar seus frutos de novo. Eu devo ter insistido o suficiente em minhas perguntas porque ele as respondeu. Há três anos ele plantava árvores deste modo solitário. Ele havia plantado cem mil. Destes cem mil, vinte mil nasceram. Ele contava em perder metade destas para os roedores ou para qualquer outra coisa imprevisível nos desígnios da Providência. Então sobrariam dez mil carvalhos que cresceriam onde antes não havia nada.
Neste momento eu comecei a imaginar qual seria sua idade. Claramente passara dos cinquenta anos. Cinquenta e cinco ele, ele me disse. Seu nome era Elzeard Bouffier. Ele tivera uma fazenda nas planícies onde vivera a maior parte de sua vida. Ele perdera seu único filho, e depois sua esposa. Ele retirou-se à solidão, onde ele se comprazia numa vida sossegada, com seu rebanho de ovelhas e seu cachorro. Ele concluíra que aquela terra estava morrendo por falta de árvores e acrescentou que, não tendo nada mais importante para fazer, ele decidira remediar aquela situação.
Levando como eu naquele tempo uma vida solitária a despeito da minha juventude, eu sabia como tratar pessoas solitárias com delicadeza. Ainda assim, eu cometi um erro. Era precisamente a minha juventude que me forçara a imaginar o futuro em meus próprios termos, incluindo uma certa busca por felicidade. Eu disse a ele que em trinta anos aqueles dez mil carvalhos seriam magníficos. Ele me respondeu muito simplesmente que, se Deus lhe desse vida, em trinta anos ele plantaria muito mais árvores do que aqueles dez mil carvalhos, de modo que eles pareceriam uma gota no oceano.
Ele também começara a estudar a propagação de faias e tinha perto de sua casa um viveiro cheio de mudas crescidas. Seus pequenos protegidos, que ele mantinha longe das ovelhas com uma cerca de arame, cresciam belas. Ele também considerara plantar bétulas nos fundos do vale onde, ele me disse, havia umidade a apenas alguns metros debaixo da superfície do solo.
Nós nos despedimos no dia seguinte.
No ano seguinte estourou a Guerra de 1914, no qual engajei-me por cinco anos. Um soldado de infantaria dificilmente pensaria em árvores. Para falar a verdade, o negócio todo não me impressionou muito. Eu o considerei como um hobby, como coleção de selos e eu o esqueci.
Quando a Guerra acabou, eu ganhei um pequeno bônus de desmobilização e um grande desejo de respirar um pouco de ar puro. Sem nenhuma preocupação além disso, eu voltei para aquelas terras desertas.
A terra não mudara. Entretanto, além daquela aldeia morta eu percebi a distancia uma certa névoa cinzenta que cobria os morros como um carpete. Desde o dia anterior eu pensava no pastor que plantava árvores. Dez mil carvalhos, eu disse para mim mesmo, devem ocupar bastante espaço.
Eu vira tanta gente morrer durante aqueles cinco anos que não seria difícil imaginar a morte de Elzeard Bouffier, principalmente porque um homem de vinte anos pensa que um homem de cinquenta é velho o suficiente para morrer. Ele não estava morto. De fato, estava bem vigoroso. Ele mudara de emprego. Agora ele só tinha quatro ovelhas, mas em compensação, ele agora tinha cerca de cem colméias. Ele se livrara das ovelhas porque elas ameaçavam suas árvores. Ele me disse (como eu podia ver por mim mesmo) que a Guerra não o perturbara. Ele continuava imperturbável em seu plantio.
Os carvalhos de 1910 agora tinham dez anos e estavam mais altas do que eu e ele. O espetáculo era impressionante. Eu fiquei literalmente sem voz e ele mesmo não falava, nós passamos o dia inteiro em silêncio, andando através da floresta, que tinha três seções, onze quilômetros de comprimento e na sua parte mais larga, três quilometros de largura. Quando eu pensei que tudo aquilo nascera das mãos e da alma daquele único homem – sem auxílio técnico, entendi que homens podiam ser tão eficazes quanto Deus em domínios que não fossem a destruição.
Ele havia seguido a sua idéia e as faias que alcançavam os meus ombros e se estendiam até onde onde a vista alcançava eram prova disso. Os carvalhos agoram estavam largos e passaram da idade em que estariam a mercê dos roedores. Quanto aos desígnios da Providência, para destruir o trabalho que fora criado, precisaria agora de um ciclone. Ele mostrou-me admiráveis bosques de bétulas que datavam de cinco anos atrás, isto é de 1915, quando eu estava lutando em Verdum. Ele as tinha plantado nos vales onde ele suspeitara, corretamente que havia água perto da superfície. Elas eram tenras como moças e muito determinadas.
Esta criação parecia, alias, de funcionar numa reação em cadeia. Ele não se preocupava com isso, ele continuava obstinadamente em sua simples tarefa. Mas, voltando a aldeia eu vi água correndo em riachos que, até onde era possível lembrar, sempre foram secos.
Este foi o mais impressionante renascimento que ele me mostrara. Estes riachos tiveram água antes, em dias antigos. Certo de que as tristes aldeias das quais falei no início de meu relato foram construidas no lugar de antigas cidades Gálico-romanas, onde ainda há vestígios, escavações de arqueólogos acharam anzois em locais onde em tempos mais recentes cisternas eram necessarias para se ter um pouco de água
O vento também trabalhara, dispersando certas sementes. A medida que a água reaparecia, assim também os salgueiros, os vimes, os campos, os jardins, as flores e uma certa razão de viver.
Mas a transformação acontecera tão lentamente que as pessoas se acostumaram a ela, não provocou nenhuma surpresa. Os caçadores que subiam os montes em busca de lebres ou javalis perceberam o aparecimento de pequenas árvores, mas atribuiram-no a ação natural da terra. Este é o porque de ninguém ter tocado no trabalho deste homem. Se eles tivessem suspeitado dele, eles teriam tentado frustra-lo. Mas ele nunca esteve sob suspeita: Quem entre os aldeões ou os administradores suspeitariam que alguém pudesse mostrar tal obstinação em cumprir este magnífico ato de generosidade?
De 1920 em diante eu nunca deixei passar um ano sem que eu visitasse Elzeard Bouffier. Eu nunca o vi desanimar ou hesitar, ainda que o próprio Deus pudesse dizer o quanto Sua mão contribuiu para isso! Não falei nada a respeito de seus dissabores, mas você pode facilmente imaginar que para conquistar tais êxitos, era necessário conquistar a adversidade, que, para assegurar a vitória de tal paixão, era necessário lutar contra o desespero. Num ano ele plantara dez mil plátanos. Todos eles morreram. No ano seguinte, ele desistiu dos plátanos e voltou para as faias, que davam mais certo do que os carvalhos.
Para se ter uma idéia verdadeira desta figura extraordinária, não se pode esquecer que ele trabalhava em total solitude, tão total que, a caminho do fim de sua vida, ele perdeu o hábito de falar. Ou talvez ele simplesmente não visse a necessidade disso.
Em 1933 ele recebeu a visita de um espantado guarda florestal. Este funcionário ordenara-lhe cessar as fogueiras ao ar livre, com medo que ameaçassem esta "floresta natural". Era a primeira vez, este homem ingênio dissera – que a floresta crescera inteiramente por ela mesma. Na época deste incidente, ele estava pensando em plantar faias num ponto doze quilometros além de sua casa. Para evitar as idas e vindas – porque naquele tempo ele tinha setenta e cinco anos – ele planejara construir uma cabana de pedras onde ele estava fazendo seu plantio. Ele fez isso no ano seguinte.
Em 1935, uma verdadeira delegação administrativa foi examiner esta "floresta natural". Estavam presentes um alto funcionário do Departamento de Aguas e Florestas, um deputado e alguns técnicos. Foram ditas muitas palavras inúteis. Foi decidido fazer algo, mas por sorte, nada foi feito, exceto por algo realmente útil: colocar a floresta debaixo da proteção do Estado e proibir qualquer um de fazer carvão. Porque era impossível não ser tomado pela beleza daquelas árvores jovens cheias de saúde. E a floresta exerceu seu poder sedutor até mesmo sobre o deputado.
Eu tive um amigo entre os chefes que estiveram na delegação. Eu expliquei o mistério para ele. Na semana seguinte fomos juntos procurar Elzeard Bouffier. Nós o achamos no trabalho duro, vinte quilometros além do lugar onde a inspeção fora feita.
Este guarda florestal não era meu amigo por nada. Ele compreendia o valor das coisas. Ele soube se manter calado. Eu lhe ofereci alguns ovos que eu trouxera comigo com um presente. Repartimos o lanche entre nós três e então passamos várias horas em muda contemplação da paisagem.
As colinas de onde nós viemos estavam cobertas com árvores de seis ou sete metros de altura. Eu me lembrava do aspecto do lugar em 1913: era um deserto. O trabalho calmo e regular, o ar puro das montanhas, sua frugalidade e, acima de tudo, a serenidade de sua alma deram ao velho uma boa saúde. Ele era um atleta de Deus. Eu perguntei a mim mesmo quantos hectares ele já tinha coberto de árvores.
Antes de ir embora, meu amigo fez uma simples sugestão a respeito de certas espécies de árvores que combinavam mais com aquela terra. Ele não foi muito insistente. – Por uma boa razão, ele me disse depois – aquele sujeito sabe muito mais sobre árvores do que eu. Depois de outra hora de caminhada, este pensamento tendo viajado junto com ele, ele adicionou – Ele conhece muito mais acerca deste assunto do que qualquer pessoa. – e ele achou uma boa forma de ser feliz!
Foi graças aos esforços deste guarda florestal que a floresta foi preservada e com isso a felicidade daquele homem. Ele designou três guardas florestais para a preservação e os aterrorizou tanto que eles se mantiveram indiferentes às garrafas de vinho que os lenhadores poderiam oferecer-lhes como propina.
A floresta não correu nenhum grave risco exceto durante a Guerra de 1939. Então automóveis moviam-se com álcool de madeira, e não havia madeira suficiente. Eles começaram a cortar alguns carvalhos de 1910, mas as árvores ficavam tão longe das estradas que o empreendimento mostrou-se financeiramente ruim e foi logo abandonado. O pastor nunca soube disso. Ele estava a trinta quilometros de lá, tranquilamente continuando sua tarefa, imperturbável pela Guerra de 1939 como ele fora com a Guerra de 1914.
Eu vi Elzeard Bouffier pela última vez em junho de 1945. Ele estava com oitenta e sete anos então. Eu mais uma vez fiz meu caminho pelo deserto, apenas para ver que, a despeito da devastação que a Guerra fizera ao país, agora havia um ônibus rodando entre o vale de Durance e a montanha. Eu atribui a este relativamente rápido meio de transporte o fato de não reconhecer mais os lugares que eu conhecera nas minhas visitas anteriores. Parecia-me que a rota estava me levando para lugares inteiramente novos. Eu tive que perguntar o nome da aldeia para me certificar que eu estava de fato passando através daquela mesma região, antes tão arruinada e desolada. O ônibus deixou-me em Vergons. Em 1913 esse ajuntamento de dez ou doze casas tinha três habitants. Eles eram selvagens, odiando-se mutuamente e ganhando seu sustento caçando com armadilhas. Física e moralmente, eles se pareciam com homens pré-históricos. Ao redor, as urtigas devoravam as casas. Suas vidas eram sem esperança, era apenas questão de esperar a morte chegar… uma situação que dificilmente predispõe alguém a virtude.
Tudo mudara, até o ar. No lugar do vento seco e violento que me cumprimentara tempos atrás, uma brisa gentil sussurrava para mim, trazendo doces aromas. Um som como de água corrente veio das Alturas: era o som do vento nas árvores. E o mais espantoso de tudo, eu ouvi o som de água jorrando num lago. Eu vi que eles construíram uma fonte, que estava cheia de água, e o que mais me tocou, que perto dela eles haviam plantado uma tília que deveria ter pelo menos quatro anos, já frondosa, um símbolo incontestável de ressurreição.
Além disso, Vergons mostrava os sinais de trabalhos para os quais esperança é necessária. A esperança voltara, portanto. Eles limparam as ruínas, derrubaram os muros quebrados, e reconstruíram cinco casas. O povoado agora contava com vinte e oito habitantes, incluindo quatro jovens famílias. As casas novas, recém-caiadas, tinham em volta jardins onde cresciam verduras e flores, repolhos e roseiras, alho-poró e boca de leão, aipo e anemonas. Era agora um lugar onde qualquer pessoa ficaria feliz em viver.
De lá eu continuei a pé. A Guerra em que nós mal tínhamos emergido não permitia que a vida desabrochasse completamente, mas agora Lázaro já saíra do túmulo. Na parte mais baixa da montanha eu vi campos de cevada e centeio, no fundo dos vales estreitos, campos cobriam-se de verde.
De oito anos para cá a terra ao redor desabrochou com esplendor. No lugar das ruínas que eu vira em 1913 agora há fazendas bem cuidadas, o sinal de uma vida confortável e feliz. As velhas fontes, nutridas pela chuva e pela neve que agora são retidas pelas florestas, mais uma vez começaram a correr. As águas foram canalizadas. Perto de cada fazenda, entre bosques de plátanos, os lagos das fontes são margeadas por carpetes de menta fresca. Pouco a pouco, as aldeias têm sido reconstruídas. Jovens vieram das planícies, onde a terra é cara, trazendo com eles juventude, movimento e espírito de aventura. Andando pelas estradas você encontrará homens e mulheres saudáveis e meninos e meninas que saber como rir, e que reconquistaram o gosto pelas tradicionais festas do campo. Contando com a antiga população da area, agora irreconhecível pela vida farta e pelos recém-chegados, mais de dez mil pessoas devem sua felicidade a Elzeard Bouffier.
Quando eu penso que um único homem, confiando apenas em seus próprios recursos físicos e morais, foi capaz de transformar um deserto nesta terra de Canaã, eu estou convencido que a despeito de tudo, a condição humana é verdadeiramente admirável. Mas quando eu levo em conta a constância, a grandeza da alma, e a dedicação desprendida necessária para trazer esta transformação, eu sou tomado de um imenso respeito por este camponês velho e inculto que soube como realizar esta obra digna de Deus.
Elzeard Bouffier morreu tranquilamente em 1947 no asilo de Banon.
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Tuesday, 17 January 2012
karajá - mito de origem
fonte - índio educa
http://www.indioeduca.org/?p=283
http://www.indioeduca.org/?p=283
Mitos e Verdades
As comunidades indígenas assim como todas as comunidades, têm suas histórias tradicionais, seus métodos culturais que algumas vezes perpassam as explicações ciêntificas, assim como a sociedade tem suas religiões, seus métodos culturais e costumes diferenciados em cada parte do planeta, muitas vezes estranhos a nós por ser diferentes, neste espaço você poderá viajar no mundo da diversidade indígena brasileira, descobrindo suas histórias e seus métodos culturais.
A Origem do Povo Karajá
- Avanilson Karajá, capturando tartaruga com a mão.
Contam os anciões do Povo Karajá que se encontra em aldeias no Tocantins, Goiás e Mato Grosso, que há muitos séculos atrás, todos os Karajá viviam felizes no fundo do rio Araguaia, então certo dia um deles chamou um grupo de jovens e decidiram sair ao ver a luz fora da água, para conhecerem o que havia além, em seguida outro Karajá chamado Koboy que era gordo tentou sair e ao sair só pela metade se deparou com árvores secas e viu que nem tudo era bonito então retornou ao fundo do rio e permanece lá até hoje.
O grupo de jovens que haviam saído acharam a terra bonita, mais tentaram voltar ao fundo do rio, pois lá não havia nada de ruim tudo era bom e bonito, mais não conseguiram, assim se fixaram nas margens dos rios na esperança de que um dia retornem a suas origem.
O povo Karajá é conhecido como o povo das águas devido a forte ligação que tem com os rios e lagos.
Video contendo essa história e uma breve descrição do Povo índígena Karajá.
Amaré Gonçalves Krahô-Kanela e Avanilson Karajá.
á.
Desenhando os Cantos do Nixi Pae
fonte - índio educa
http://www.indioeduca.org/?p=1027#comment-275
http://www.indioeduca.org/?p=1027#comment-275
Desenhando os Cantos do Nixi Pae
Exposição O Espirito da Floresta – Desenhando os Cantos do Nixi Pae
dia 23 na Casa dos Povos Indígenas
com Ibã e Bane Huni Kuin, Artistas Huni Kuin do Jordão, Shaneihu e Banda, Seu Antonio Pedro e banda Uirapuru
dia 23 na Casa dos Povos Indígenas
com Ibã e Bane Huni Kuin, Artistas Huni Kuin do Jordão, Shaneihu e Banda, Seu Antonio Pedro e banda Uirapuru
FOTOSEARCH - filmes sobre ambiente
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