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http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=80848
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Desmatamento revela história da Amazônia | |
O desmatamento que assola a Amazônia desde a década de 1970 também expõe impressionantes descobertas arqueológicas por baixo da densa floresta: formas geométricas impecáveis, com centenas de metros de diâmetro e idade entre 1.000 e 2.000 anos.
"Essas linhas eram perfeitas demais para não terem sido feitas pelo homem", disse o pecuarista Edmar Araújo, 62, que décadas atrás descobriu algumas formas, incluindo valas com seis metros de profundidade, ao capinar sua propriedade em Rio Branco. "A única explicação que eu tinha era que seriam trincheiras da guerra contra os bolivianos." O pesquisador Alceu Ranzi, que participou da descoberta desses quadrados, octógonos, círculos, retângulos e formas ovais, disse que os geoglifos acrianos são tão significativos quanto as famosas linhas de Nazca, enigmáticos símbolos animais identificáveis em sobrevoos no sul do Peru.
"O que mais me impressionou nesses geoglifos foi sua precisão geométrica e como eles emergiram da floresta que todos julgávamos ser intocada, exceto por algumas tribos nômades", disse Ranzi, paleontólogo que viu pela primeira vez os geoglifos nos anos 1970, e depois os mapeou de avião.
Os geoglifos do Acre e outros sítios arqueológicos sugerem que a Amazônia ocidental, antes considerada inabitável por sociedades mais sofisticadas, em parte por causa da baixa qualidade do seu solo, pode não ter sido sempre tão virgem quanto afirmam alguns ambientalistas.
Parte da Amazônia pode ter abrigado por séculos povos com milhares de integrantes, vivendo em dezenas de cidades conectadas por uma rede de estradas, explica o escritor Charles Mann. Mann, autor de "1491", um livro sobre a América pré-colombiana, disse que algumas partes da Amazônia foram "muito mais densamente povoadas do que se pensava", e que "essa gente propositadamente modificou seu ambiente de maneira duradoura".
Por causa desses longos períodos de ocupação humana, as colossais florestas sul americanas podem em alguns momentos terem sido bem menores, com grandes extensões se parecendo com um cerrado relativamente vazio. Tais revelações são um detalhe incômodo ao atual debate político sobre a preservação das florestas, em que alguns ambientalistas se opõem a qualquer uso agrícola intensivo da Amazônia.
Os cientistas daqui também dizem se opor à queima das florestas, embora pesquisas indiquem que a Amazônia teve atividades de agricultura no passado. Na verdade, eles dizem que outras áreas tropicais, especialmente na África, poderiam se beneficiar de estratégias já usadas na Amazônia para driblar as limitações do solo. "Se alguém quiser recriar a Amazônia pré-colombiana, a maior parte da floresta precisa ser retirada e substituída por muita gente e por uma paisagem gerenciada e altamente produtiva", disse o geólogo William Woods, da Universidade do Kansas, que estuda os geoglifos.
Enquanto os pesquisadores montam a história ecológica da Amazônia, as origens dos geoglifos e do povo que os fez continuam envoltas em mistério. Até agora, 290 obras desse tipo foram achadas no Acre, além de cerca de 70 outras na Bolívia, e 30 nos estados do Amazonas e de Rondônia. Os pesquisadores descobriram os geoglifos na década de 1970, época em que a ditadura militar brasileira estimulava colonos a se radicarem na Amazônia, sob o slogan "ocupar para não entregar".
Mas a descoberta gerou pouca atenção científica até que Ranzi começasse a fazer um levantamento no fim da década de 1990, e que pesquisadores brasileiros, finlandeses e americanos passassem a descobrir mais geoglifos graças ao auxílio de pequenos aviões e de imagens de satélites em alta resolução.
Os cientistas acreditam que os geoglifos tiveram uma importância cerimonial, semelhante às catedrais medievais da Europa. Os geoglifos estão distantes de assentamentos pré-colombianos descobertos em outros pontos da Amazônia. Grandes lacunas ainda restam no que se sabe sobre os indígenas dessa região amazônica, depois de milhares deles terem sido escravizados, mortos ou expulsos das suas terras durante o ciclo da borracha, a partir do fim do século 19.
"Esta é uma nova fronteira para a exploração e a ciência", disse o biólogo e escritor Tiago Juruá. "O desafio agora é fazer mais descobertas nas florestas que ainda estão de pé, com a esperança de que elas não sejam destruídas em breve."
(Folha de São Paulo, via The New York Times)
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