Tody One: o graffiti como ferramenta de transformação periférica e expressão negra
Grafiteiro há 17 anos, ele conta sobre seu trabalho e os desafios enfrentados por artistas na maior cidade do país
Mayara Paixão
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
,
Artista visual Tody One renovou a fachada do Instituto Lula, em São Paulo, no início de 2018 / Ricardo StuckertDos
30 anos de idade do pernambucano João Belmonte, ele passou ao menos 13
tendo o graffiti como protagonista do seu dia a dia. Com a arte,
aprendeu a importância de se posicionar politicamente, os desafios de
obter respostas do poder público e as diferenças que separam artistas
pela cor da pele. A partir daí continuou usando o graffiti como
instrumento para provocar as pessoas e as instituições.
Hoje, o artista visual é conhecido pela maioria como Tody One e tem
como campo de atuação principal o bairro de Guaianases, no extremo da
zona leste de São Paulo (SP). Uma de suas obras mais conhecidas é o
Gigante da Escadaria, que deu novo visual e ressignificou uma viela da
região para os moradores.
Em julho de 2017, também participou da criação de mais um ponto de difusão de cultura na cidade: o Ateliê Griot Urbano, estimulando a representatividade de pensadores, artistas e escritores negros.
Em conversa com a Rádio Brasil de Fato, Tody One
compartilhou as dificuldades enfrentadas enquanto artista da periferia, a
relação que vê entre arte e política e o papel do graffiti nos centros
urbanos. Confira a entrevista na íntegra: Brasil de Fato: Nos conte um pouco como surge e o objetivo do Ateliê Griot, por favor… Tody One: O Ateliê Griot urbano teve início em 2016
junto com meu amigo Nômade Griot. Nós temos algumas atividades de
trabalho com arte-educação e arte urbana e vimos a necessidade de
diálogo no nosso próprio bairro [Guaianases], que não tinha. A gente era
educador na Cidade Tiradentes, em Itaquera e em outros bairros, mas
onde morávamos nunca tínhamos atuado.
Tivemos essa iniciativa de fazer algumas atividades com as crianças e
um diálogo de arte negra e política. Fazemos alguns encontros e
trazemos alguns artistas para trocar uma ideia, falar sobre política
nesses tempos atuais.
(Foto: Isaías Dalle)
O Ateliê fica próximo da escadaria e ela, depois do graffiti, virou
um ponto turístico, e a gente conseguiu que um vereador fosse lá visitar
o espaço e ouvisse os moradores. Essa escadaria é bem antiga, tem mais
de 60 anos, mas não tinha corrimão, e os degraus eram todos irregulares.
A partir do graffiti, conseguimos essa proximidade com o poder público,
que já iniciou algumas obras para revitalizar a escada.
É legal que a gente, como arte e militância de periferia, fez com que
chegasse uma melhoria para um lugar que antes não era olhado. Vocês também trazem uma proposta, de preocupação grande, com o incentivo à leitura, em especial de autores negros, certo?
Exatamente. Um dos poetas que mais escrevo nas ruas é o Sérgio Vaz. Tem uma galera do meu bairro que o conhece sem saber quem é ele por conta das poesias que escrevo nos muros.
A proposta é exatamente essa: dar essa autonomia aos artistas negros e
fazer com que eles tenham voz. Temos um projeto chamado Geloteca, no
qual a gente pega geladeiras velhas, grafita elas e coloca em lugares
ociosos e escolas.
Em Guaianases, temos cinco geladeiras espalhadas e um total de 17
geladeiras espalhadas pela cidade com essa proposta de fazer pontos
independentes de leitura além das bibliotecas públicas. A galera tem
livro para doar, coloca na geladeira e a própria população faz essa
troca de livros. O graffiti é uma arte que ocupa o espaço urbano e público,
mas por fazer as pessoas não compreendem isso. Como você entende essa
discussão e quais desafios já enfrentou?
Enfrento vários. Nessa atualidade de conjuntura política, quem se
posicionou são poucos grafiteiros de São Paulo, que bateram de frente.
Os graffiti sofrem ataques, mas a gente que é da rua sabe que é uma arte
efêmera. Fazemos, tiramos foto e acabamos esperando que isso aconteça
mesmo, como alguns ataques com tinta.
A gente que é artista urbano está propício a receber essas críticas.
Conseguimos atingir algumas pessoas e provocar outras. O ideal da arte é
essa provocação. Quando as pessoas se sentem provocadas, acho que
atingiu a intenção, que era essa mesmo. No seu trabalho, a arte desde sempre foi uma forma de expressão política?
Foi uma construção. Faço graffiti desde os 13 anos, mas não tinha uma
ideologia a seguir naquele tempo. Eu, como homem negro, tentava saber a
minha posição na rua. A gente sabe que existem pichadores de classe
média que, em sua maioria, têm advogados e pessoas que podem tirar eles
da cadeia assim como eles entram. Para um artista preto de periferia,
isso já não acontece. Você está propício a ser morto.
A gente sofre algumas coisas na periferia por ser homem negro. Tenho
um amigo que é pichador e é negro e tem um problema crônico no ombro
porque o policial jogou ele de cima de um muro há cinco anos. Ele não
consegue levantar o braço. Então algumas coisas que acontecem com
artistas e pichadores de periferia são diferentes dos que acontecem com
uma galera que tem um poder aquisitivo maior e tem acesso a advogados,
por exemplo, para tirar eles da prisão caso precise.
Minha mãe, quando eu saia de casa, sempre me dizia para ser educado
com autoridades e sempre andar com documento e não fazer nada de errado
porque só falta 'um pezinho' para a gente poder ser agredido. Artista de
periferia é bem diferente do 'artista Vila Madalena'. Ao longo destes 17 anos produzindo graffiti, o que a arte representa na sua vida?
Uma incógnita. A arte existe para eu poder viver. Se não fosse por
ela, talvez eu estaria como um zumbi, trabalhando em uma empresa fechada
e não estaria vivendo. Eu consigo atingir algumas pessoas e elas são
gratas por isso e tenho o graffiti como arte-educação, como poesia para
ser vivida.
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