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Michèle Sato assumirá a relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente este mês. |
Michèle Tomoko Sato, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), é uma das pesquisadoras que mistura à excelência acadêmica, a luta por justiça social, além de um bocado de arte e doçura,quebrando com isso o estereótipo gélido muitas vezes imposto a quem trabalha com ciência. Escolhida para integrar a Comissão Nacional de Direitos Humanos, sua atuação será na relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente, em conjunto com a assistente social Cristiane Faustino da Silva, que trabalha questões relacionadas a gênero, raça e meio ambiente.
Mas direitos humanos têm algo a ver com o meio ambiente? Tem sim e muito. De acordo com Michèle Sato, toda vez que há um crime ambiental, há também um crime social. “As questões estão intrinsecamente conectadas”, disse. Uma violação ocorre dentro de um território. Sendo assim, pode atingir as pessoas indiretamente ou diretamente, como aconteceu na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, em 1982, quando o governo autorizou a instalação de um aterro para depósito da substância tóxica, plychlorinated-biphenyl (PCB), cancerígena, na comunidade de Warren County, formada predominantemente por negros.
Esse caso provocou manifestações e muitas pessoas foram presas, entre elas o reverendo Benjamin Chavis, um dos líderes do Movimento por Justiça Ambiental, que começou a se consolidar nesse período. Episódios semelhantes foram descobertos em diversos locais, inclusive fora dos Estados Unidos. A sequência de crimes ambientais que atingiam diretamente negros de periferias deu origem, então, ao termo “racismo ambiental”, cunhado pelo sociólogo Robert Bullard. No Brasil, segundo Michèle, não só os negros são afetados, mas os pobres em geral. Foicriada então, no país, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental que a educadora integra desde a fundação.
Para Michèle, um crime ambiental brasileiro é a implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, na cidade de Altamira, no Pará, e que irá fazer com que diversos povos ribeirinhos e indígenas saiam de suas terras, além de provocar diversas outras transformações ambientais. Ela enfatizou, porém, que Belo Monte é um crime autorizado. “Nosso maior agressor é o próprio Estado”, se manifestou.
Quem encaminhou o nome de Michèle como sugestão para compor a Comissão foi o Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-MT), que publicou recentemente seu relatório. Para participar da Comissão, foi necessário o cumprimento de uma série de pré-requisitos. A seleção realizada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca) contou com critérios como postura ética, conhecimento de línguas estrangeiras e história de atuação da pessoa em prol dos direitos humanos. Além disso, foi necessário encaminhar currículo e um projeto que poderá ser desenvolvido na Comissão.
No projeto enviado pela professora, ela tomou como base produções de duas orientandas. Uma de Regina Silva, que mapeou grupos sociais em Mato Grosso e possibilitou o conhecimento sobre alguns pouco conhecidos, como os morroquianos, por exemplo, que vivem no morro, perto do Pantanal de Cáceres. A outra pesquisadora é Michelle Jaber. Ela trabalhou os tipos de conflitos vividos por essas comunidades. Agora, Michele propõe à Plataforma Dhesca realizar o mapeamento dos grupos vulneráveis em todo o país e também verificar os tipos de conflitos que eles enfrentam.
Segundo Michele, em Mato Grosso a principal questão é a disputa pela terra. “É garimpo, é fazendeiro invadindo unidade de conservação, terra indígena”, afirma. Outros grandes problemas são as queimadas e a disputa pela água que, segundo ela, num prazo de cinco ou seis anos, será pior do que o conflito pela terra, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. “Os aqüíferos estão todos contaminados”, disse.
Perfil
Paulistana do bairro Butantã, a formação da professora Michèle não está direcionada a uma área específica, mas sim a cursos que, na sua avaliação, se complementam numa busca por melhorar o mundo. Por conta do amor à natureza, fez biologia. “Sou daquelas pessoas que fica revoltada quando vê a morte dos golfinhos, das baleias. Fico chateada, choro”, disse.
A militância começou cedo na vida da cientista. Ela fundou um grêmio no ensino médio, ingressou no movimento estudantil e, ao se tornar professora, fez parte da diretoria do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeosp). “Essa militância política, ela sempre foi muito viva em mim”, contou.
Depois, concluiu o mestrado em filosofia, uma área que não abandonou nunca. É também doutora em ecologia e pós-doutora em educação. Integra o Grupo de Estudos em Educação Ambiental, do programa de pós-graduação em Educação da UFMT e é bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, faz trabalhos artísticos e, inclusive, os integra à produção acadêmica.
Luta política e intelectual
A professora Michèle Sato não separa o trabalho acadêmico das lutas. Sua pesquisa na UFMT está muito associada aos projetos de extensão feitos em comunidades. A postura que fez dela referência, no entanto, também trouxe momentos difíceis. Ela já foi ameaçada de morte duas vezes.
De acordo com Michèle Sato, esses acontecimentos não farão com que ela se cale: “Continuo falando na imprensa, continuo militando, continuo defendendo. Essa é minha obrigação. Acho que eu nasci para isso”.
Além das ameaças, Michèle disse que há muita crítica na academia. “Se você fizer é criticada, se não fizer é criticada”. Ela afirmou também que ainda existe uma visão de que a ciência tem que ter o distanciamento, isto é, olhar o objeto da pesquisa sem se envolver com ele. Para Michèle, no campo das ciências humanas isso já está transformado: “a gente já consegue fazer essas pesquisas apaixonadamente felizes. Acho que isso está sendo possibilitado. Agora, isso é alvo de críticas porque tudo o que você faz tentando inovar você bagunça o que está estabelecido, o tradicional. Então, obviamente, as pessoas se sentem incomodadas. Mas eu acho que esse é meu papel também”.
Educação Ambiental e Meio Ambiente
Os termos “meio ambiente” e “educação ambiental” são comumente utilizados sem entendimento mais preciso. De acordo com a professora Michèle Sato, “meio ambiente” é mais genérico, pode ter significados diferentes de acordo com a experiência de cada um: “O jornalista pode ver o meio ambiente como uma pauta cheia de notícias, o sociólogo vai acreditar que todas as relações sociais que se estabeleceram estavam na dependência da mais valia do Karl Marx, o arquiteto vai falar que a obra depende do ambiente, o biólogo vai querer cuidar do passarinho, da cachoeira, do rio porque a natureza é bonita”.
Já o conceito de Educação Ambiental contempla a conservação do meio ambiente por um processo educativo, o que inclui as pessoas conviverem com o ambiente e se respeitarem – é aí que entram os direitos humanos. Michèle Sato lembrou que no estado o fórum é de Direitos Humanos e “da Terra”, o que ela propôs. “Essa é a guinada bonita. Não é só de humano. O planeta está precisando de cuidado também. Então a gente cuida das pessoas, mas cuida do planeta também”. Michèle explicou que justamente pelo entendimento de que as dimensões sociedade e natureza estão sempre juntas é que se busca o diálogo e a justiça ambiental. “Quando vejo uma injustiça humana eu fico super triste e revoltada também. E aí a necessidade de a gente sempre casar essas coisas. O mundo na verdade é todo interligado. A gente que separou”.
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