fonte - observatório da imprensa
REDES SOCIAIS
O Facebook é antidemocrático?
Por
Renato Essenfelder em 08/11/2011 na edição 667
O domínio das chamadas redes sociais avança na internet – e fora dela. Pesquisa do Forrester Research divulgada no último dia 3 de novembro aponta que nada menos do que 96% de todos os internautas adultos dos Estados Unidos têm um perfil no Facebook. Na sequência vem a rede profissional LinkedIn, com 28% de adesão, e o Twitter (24%) – este, mais popular entre os mais jovens. Considerando sobreposições, é possível afirmar que simplesmente todos os cidadãos americanos com mais de 18 anos de idade estão representados por um ou mais perfis virtuais atualmente.
No Brasil não é diferente. A tendência,
a despeito da desigualdade social e da ainda claudicante democratização dos
meios de acesso à rede, é de representação total. Conforme escreveu nesteObservatório Marília Massochin, as crianças
brasileiras “saem na frente dos outros países em relação à utilização das redes
sociais. Mais de 11% do total de meninas e meninos de dois a 11 anos usam as
mídias sociais no território nacional, enquanto a média global não passa de
7%”. Segundo dados do Ibope Nielsen Online citados pela autora, já se
contabiliza 5,2 milhões de crianças brasileiras entre dois e11 anos navegando
na internet.
“A democracia de todos é mentira”
Caminhamos para a representação total.
Além disso, lembrando artigo do professor da ECA-USP e colega de ESPM Eugenio
Bucci publicado no Estado de S.Paulo e reproduzido neste
Observatório, a internet não deve ser tratada como mero meio de comunicação – e
ainda menos como um meio de comunicação de massa. Isso, argumenta o
pesquisador, é reduzi-la excessivamente. Escreve Bucci:
“Ela [a internet] é tão ampla como são
amplas as atividades humanas: aceita declarações de amor, assim como aceita
lances ousados da especulação imobiliária. Nela, a vida social alcança
plenamente outro nível, que não é físico, mas é real, tão real que afeta
diretamente o mundo físico, sendo capaz de transformá-lo. Mais que meio de
comunicação, a internet é, antes, a sociedade num segundo grau de abstração. Se
quiserem comparações, ela tem mais semelhança com a rede de energia elétrica do
que com um aparelho de TV ou com o alto-falante na praça do coreto.”
Não se pode negar a sabedoria dessa constatação,
mas, ao mesmo tempo, parece igualmente perigoso estendê-la à utopia da internet
como substituto de instituições de representação democrática, como alertou o
espanhol Jesús Martín-Barbero em entrevista a este autor publicada na Folha de
S. Paulo em 2009 (leia a íntegra aqui). Barbero repudia o
uso do termo “comunidade” para caracterizar o que acontece nas redes sociais
hoje, e avança:
“No conceito de comunidade há sempre a
tentação de devolver-nos a uma certa relação não mediada, presencial. Essa é um
pouco a utopia da internet: que já não necessitamos ser representados. A
democracia é de todos, somos todos iguais. Mentira. Nunca fomos, nem somos, nem
seremos iguais. E, portanto, a democracia de todos é mentira. Seguimos
necessitando de mediações de representação das diferentes dimensões da vida.
Precisamos de partidos políticos ou de uma associação de pais em um colégio,
por exemplo.”
“Uma nova forma de fazer sociedade”
Seguindo o raciocínio de Barbero, é
possível dizer que as comunidades virtuais que unem telespectadores da novela
das 21h ou fãs de Justin Bieber são um arranjo social (para o qual ainda não
há, diz, uma nomenclatura ou reflexão solidamente formulados), mas ao mesmo
tempo têm pouco de comunidade – no sentido pré-moderno. Encontramos raciocínio
análogo no polonês Zygmunt Bauman, que em 2003 lançouComunidade: a Busca por
Segurança no Mundo Atual. Segundo o sociólogo, comunidade é um arranjo com
“compartilhamento fraterno”, em que a liberdade individual é parcialmente posta
de lado em nome de um sentimento de segurança de grupo. E, na contemporaneidade
“líquida” e individualista, isso não ocorre.
Vale lembrar que o professor da PUC-SP
Rogério da Costa, em ótimo artigo sobre a
questão, detecta um certo ar nostálgico em Bauman, um querer aplicar ideias
antigas a um fenômeno novo, o que “seria simplesmente se impedir de ver o que
vem acontecendo nos movimentos coletivos de nossa época”. Barbero não é tão
nostálgico quanto Bauman, pois admite que “há muitas coisas a repensar
radicalmente” hoje, inclusive o conceito de comunidade e sua aplicabilidade às
redes sociais.
Pierre Levy, em “Cyberdemocracia”,
radicalmente oposto aos “nostálgicos”, diz que as comunidades virtuais são “uma
nova forma de fazer sociedade”. “Essa nova forma é rizomática, transitória,
desprendida de tempo e espaço, baseada muito mais na cooperação e trocas
objetivas do que na permanência de laços. E isso tudo só foi possível com o
apoio das novas tecnologias de comunicação”, escreve.
Não somos iguais, nem na rede nem na
vida
O problema, reitera Barbero, é quando,
imbuídos do pior espírito de panaceia, cremos que redes como o Facebook, que
criam laços reais entre as pessoas, possam substituir mecanismos historicamente
testados de representação, como os partidos políticos. É a utopia da democracia
direta, sem mediação: para que votar em um candidato do partido X ou Y se posso
eleger diretamente o perfil da pessoa com que mais me identifico? E o mesmo
raciocínio falacioso se estende ao jornalismo: para que jornalistas se posso me
informar sobre o que me importa diretamente através do Twitter e congêneres? A
realidade, no entanto, não condiz com a euforia exagerada dos que creem na
internet como início e fim de tudo.
E Barbero ainda provoca: “O site é
real, mas a maneira como nos relacionamos, como o usamos, é muito distinta. O
Facebook não nos iguala. Nos põe em contato, mas nada mais”.Nesse sentido,
retomamos a ideia de Bucci: a internet está mais para uma “segunda realidade”
do que para um meio de comunicação. Paradoxalmente, o ambiente
“ultrademocrático” de um Facebook pode se mostrar nocivo à democracia, à medida
que estimula um esvaziamento da participação na cena política da “primeira
realidade” em que nos inserimos.
Nessa segunda realidade, ressalte-se,
seguimos necessitando de mecanismos de representação – ela não os substitui,
mas, pelo contrário, sofistica a demanda por sistemas de curadoria, reputação e
representação social, ao mesmo tempo em que pode nos ajudar a oxigenar e
aperfeiçoar as instituições que historicamente têm prestado serviços à democracia,
como partidos políticos, sindicatos, associações e agremiações diversas.
Não somos todos iguais, nem na rede nem
na vida. Por isso o edifício democrático não se encerra no clicar de botões ou
na constatação de que temos tantos seguidores virtuais. O esforço de sua
construção permeia todas as realidades, permanentemente.
***
[Renato Essenfelder é editor e
professor de Jornalismo das universidades Mackenzie e ESPM, em São Paulo,
doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e membro da Joseph Campbell
Foundation]
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