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EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE
"Mundo será igual se o ser humano não aprender", alerta pesquisadora para o pós-pandemia
Michele Sato, que também é doutora em Ciências, analisa a crise mundial provocada pelo coronavírus, nesta entrevista ao PNBOnline
arquivo pessoal
O olhar da ciência sobre a crise mundial provocada pela pandemia do coronavírus traz à tona questionamentos sobre a participação do ser humano neste processo e quais as consequências no futuro próximo. Afinal, a morte de centenas de milhares de pessoas pela covid-19 vai transformar a humanidade para melhor? Nesta entrevista concedida ao PNBOnline, com a colaboração dos jornalistas e professores doutores Pedro Pinto de Oliveira e Diélcio Moreira, a coordenadora do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), professora doutora em Ciências Michele Sato, faz uma análise deste contexto e aponta que tudo depende do cuidado que as pessoas têm com outros seres na natureza. Veja os principais trechos da entrevista:
Pedro Pinto de Oliveira: Existe uma crença que o homem pode domesticar todas as forças naturais. O que essa ideia implica em termos de erros que se cometem contra a nossa própria condição de vida?
Michele Sato - A megalomania do ser humano de querer controlar tudo, inclusive na paisagem arquitetônica ou no simples exemplo de cortar as árvores na frente das casas, a mania de querer arredondar, dar um outro formato. Mas a natureza não é assim. Este ato de você podar a árvore redonda é dizer eu tenho o controle sobre a natureza, eu dou a forma que eu quiser. Isso surge há muito tempo, filosoficamente, quando foi considerado o máximo do Positivismo, o ser humano de um lado e natureza de outro. A modernidade trouxe uma mensagem dizendo: você é primitivo se for da natureza, o mais culto está na cidade. Se você pegar a pintura de Delacroix, na França, a liberdade fazendo a revolução em Paris, depois ela se transforma em estátua e França dá de presente para Nova York (A Liberdade guiando o povo, em francês: La Liberté gudant le peuple, uma pintura de Eugène Delacroix em comemoração à Revolução Francesa, de Julho de 1830) é a cara revolucionária e aí, você retorna para campo, pintores como o próprio Van Gogh, com camponeses curvados, baixos.
A burguesia achava que era mais fácil dominar o campo do que a cidade. O campo era a natureza e a cidade, a humanidade. Então, esse binarismo que surgiu entre natureza e sociedade fez com que a gente achasse que nós somos mais fortes do que a natureza, mas nós somos parte da natureza. Fazemos parte de um elo, onde somos uma das partes. A gente sempre esquece de bicho, planta, de bichinho que a gente não enxerga. Afinal de contas, o morcego não é o vilão da covid-19, o vilão é o ser humano que foi lá e depredou a natureza. Esta separação positivista do humano e da natureza trouxe esta sensação de que nós somos melhores e controlamos a natureza, mas isso não acontece. Tanto que um dos nortes para ebola, aids e agora, covid-19, é de que os bichos que estavam milenarmente quietinhos, em um lugar, surgem e vira uma pandemia.
Pedro Pinto de Oliveira: O Antropoceno, período que marca as nossas atividades humanas que começaram a ter um impacto global significativo no clima da Terra e no funcionamento dos seus ecossistemas, é datado por alguns especialistas a partir do final do século XVIII. Qual é o marco contemporâneo dessa intervenção em termos de impactos?
Michele Sato - O grande impacto, segundo Paul Crutzen, que ganhou o prêmio Nobel por ter cunhado o sistema Antropoceno, ele vem do alto custo energético que o ser humano fez do planeta: o motor a vapor, os poços de petróleo, a mecanização da agricultura e, consequente, uso de agrotóxicos. Ele julga que tem três fases: a aceleração industrial, no início do século XVIII; depois veio a agricultura que foi uma exploração da terra de uma forma assustadora; e agora, estamos enfrentando a emergência climática. Não falamos mais em mudança climática que é um fenômeno natural, mas emergência climática, a gente assume que a ação humana está por trás disso. Impreterivelmente, uma tendência mundial recente que está acontecendo. Alguns teóricos, e eu estou entre eles, têm chamado isso de Capitoloceno. O Paul Crutzen teve o seu mérito, houve sim uma exaustão da natureza por causa da energia e da agricultura que trouxe uma transformação climática mas, nós não somos todos iguais. Então, um morador aqui do Renascer (bairro em Cuiabá), ele tem menos culpa no cartório do que um cara do agronegócio. Ele elimina menos gases do efeito estufa e não é só o carbono, como a maioria coloca. Mato Grosso é campeão em emissão de metano, por exemplo. Quem está eliminando mais esses gases? É o capital, a indústria, o agronegócio, as grandes corporações. Hoje em dia, se ouve muito dizer que depois da covid-19 o mundo não será o mesmo. Será igual, sim. A gente já ouviu esta frase 200 mil vezes e o ser humano não aprende.
As projeções petrolíferas continuam a mesmíssima coisa no período de isolamento social. Nos EUA, quando as Torres Gêmeas foram destruídas, em 11 de setembro de 2001, o que mais se falou em jornais como o The New York Times foi “nós nunca mais seremos os mesmos” e, foram tacitamente iguais, ou piores porque elegeram Donald Trump presidente. Nos dias de hoje, 40 dias depois do início do isolamento social, catadores de lixo no mar encontraram muitas máscaras jogadas no oceano. Que lição é essa que está sendo aprendida? A gente precisa de uma revolução no modo de produção. Na década de 70, Schumacher, a obra dele foi equivocadamente traduzida como o Negócio é Ser Pequeno, mas o livro é a Simplicidade é bela (E. F. Schumacher. O negócio é ser pequeno - Small is beautiful - Um Estudo de Economia que leva em conta as pessoas). Temos que recuperar isso, e não só ter, ter. Devagar, de forma amorosa, generosa, com menos consumo, Mas, para fazer esta revolução é difícil.
A destruição da natureza é um processo que está acontecendo porque as pessoas querem ficar ricas. Não é todo mundo, é uma minoria. Isto precisa ser esclarecido. É o que a gente está chamando de ”Capitaloceno”, uma minoria com uma vontade. Ou seja, 80% da humanidade consomem 20% dos recursos e 20% dos ricos, consomem 80% da energia do mundo.
Pedro Pinto de Oliveira: No meio acadêmico existe um tipo de dualismo que separa a Natureza da Cultura, sem a compreensão da continuidade dessa relação. A crise do coronavírus é um acontecimento importante para entendermos e pensarmos essa continuidade, sem dualismos?
Michele Sato - Quando falei do positivismo já apontei este dualismo. Para quem é educadora como eu, é complicado, porque você tem que ver a realidade e ser otimista. Se situar neste complexo otimista, pessimista é muito difícil. Porque, a gente começa a estudar, fica depressivo com o que vê e se pergunta se tem solução? Tem que ter. As pessoas que acreditam que nós somos separados do todo, vão continuar pensando assim e as pessoas que querem um ambiente mais saudável, uma comida mais orgânica, com menos agronegócio, vão mudar. A gente tem que aprender, não dá pra voltar ao normal, ao que era, porque não estava dando certo. Por isso que a gente entrou em crise. É preciso voltar, refazer o caminho. Eu lamento dizer que a covid-19 é uma das tantas outras pandemias que virão aí. O degelo que está acontecendo está liberando muitos vírus. Tem virus encontrados no Tibet que ficaram cristalizados 15 mil anos e o que eles vão causar? Nós vamos passar pela covid-19, mas, tenho dúvidas se a gente vai passar pela segunda pandemia. Vai ser uma guerra nas estrelas: a minoria lá em cima na nave e a vasta maioria em tribos e cavernas, aqui em baixo.
Dielcio Moreira - A Covid 19 é uma resposta da natureza à desatenção, desapego e desrespeito ao Meio Ambiente?
Michele Sato - Mas, não posso dizer que isso é uma reação da natureza, porque dá a impressão que a terra é viva, uma teoria que eu não compartilho. Eu sou cientista, acredito no Big Bang, que nós moramos em uma rocha chamada terra. Não acredito que ela tenha a capacidade de vingança. Ecologicamente, a pandemia trouxe um desequilíbrio, há uma causa e, aí, a consequência.
Dielcio Moreira - Com o avanço do pensamento conservador de extrema direita, implantação de políticas econômicas ultraliberais, entrega das florestas aos seus predadores, marginalização radical das comunidades já excluídas e o sucateamento e a desvalorização das escolas, como imagina neste cenário a condução do esforço da educação ambiental?
Michele Sato - Isso é educação ambiental, as informações estão aí, mas, as pessoas negam. Nós estamos no meio de uma guerra híbrida, muito forte e as armas convencionais, revólveres e canhões são substituídas por fake news e manuseio de dados confiáveis. Recentemente, o governo federal contratou uma empresa para fazer o levantamento da covid-19 que é a mesma empresa responsável pela produção de fake news na campanha do então candidato Jair Bolsonaro. Que tipo de credibilidade a gente pode dar aos números que o governo está divulgando? Está morrendo muito mais gente do que se imagina. Não falta informação sobre a pandemia, tá faltando algo a mais. Acho que é esta guinada que o mundo tem que dar.
O ser humano é capaz de dar reviravoltas, de inventar de criar. Se a gente fosse cobaia de laboratório, o experimento nunca daria certo porque nós não temos um comportamento previsível. Nós temos que nos rebelar, temos que criar, que ter esta capacidade de fugir da mesmice.Esta é a nossa beleza e é o que temos que fazer agora.
A destruição da natureza é um processo que está acontecendo porque as pessoas querem ficar ricas. Não é todo mundo, é uma minoria. Isto precisa ser esclarecido. É o que a gente está chamando de ”Capitaloceno”, uma minoria com uma vontade. Ou seja, 80% da humanidade consome 20% dos recursos e 20% dos ricos, consome 80% da energia do mundo. Estamos vendo uma ascensão do fascismo no Brasil e no mundo. Esta semana, foi publicada no New York Times uma matéria sobre uma passeata contra o lockdown (suspensão total das atividades como medida de prevenção ao coronavírus), onde uma mulher segurava uma placa escrita em alemão: o trabalho dignifica o humano. Esta era a frase dada em Auschwitz, na Segunda Guerra Mundial, contra os judeus. Isso é uma loucura. Portanto, as máscaras que estamos comprando hoje vão durar muito tempo. Temos um novo perfil social porque outras pandemias, mais avassaladoras e mortais do que a condiv virão. O Brasil está no mesmo patamar de Serra Leoa e Gana, países africanos miseráveis, que não têm o que comer.
Quem sofre mais é a periferia, mulheres apanham dos maridos mais agressivos dentro de casa, aumentou o número de estupros de crianças em casa, trabalhadores da saúde em depressão. É injusto. Quem está em lockdown é privilegiado. No extremo, a minha trajetória como militante dos direitos humanos enquanto ecologista, sei que os mais desgraçados são os prisioneiros e o guarda que cuida dele que não pode ter isolamento. Então, não é o cara do agronegócio e do petróleo que não pode parar. Novamente quem paga a conta é a classe economicamente, desprivilegiada. Outra vez, mulheres, crianças e velhos sofrem mais. A situação não é só no Brasil, é mundial. É uma guerra.
Nós, pesquisadores do clima, já prevíamos isso. Dei aula sobre este assunto há uns cinco anos. A gente só não sabia quando, por isso, o que está acontecendo surpreende pela emoção. Porque uma coisa é você estudar esses problemas e projeta uma perspectiva futura, outra coisa é você presenciar o momento vivido no cotidiano. Obviamente, é uma diferença brutal que desmonta a gente. (emocionada). Muitos pesquisadores estão em tratamento porque não conseguem ficar bem diante disso. Assim, fazemos um esforço para trazer uma palavra de esperança, de conforto, de falar para a população que nós vamos dar um jeito, sem perder o horizonte. O ser humano é capaz de dar reviravoltas, de inventar de criar. Se a gente fosse cobaia de laboratório, o experimento nunca daria certo porque nós não temos um comportamento previsível. Nós temos que nos rebelar, temos que criar, que ter esta capacidade de fugir da mesmice. Esta é a nossa beleza e é o que temos que fazer agora.
Dielcio Moreira - Há um conceito interdisciplinar, holístico, que ganha corpo mundialmente entre pesquisadores de diferentes áreas. É o conceito de Saúde Única: humanos, animais, aves, oceanos, florestas estão em um só quadrante, amarrados uns aos outros. A tartaruga, por exemplo, é considerada um dos sentinelas do mar: seus movimentos, reprodução e mortalidade indicam os riscos nos oceanos. É possível trazer essa ideia para o campo da educação, em especial da educação ambiental?
Michele Sato - Nós somos como uma rede, um é conectado com o outro e a eliminação de um afeta o outro. Aí está a prova, a eliminação de morcegos em uma floresta em Yunnan, na China, diminuiu a população do pangolin, que era o intermediário entre o morcego e o ser humano causou a pandemia. Este é o elo frágil que a terra possui, mas, as pessoas não estão fazendo esta ligação. Incorporar esta dimensão da totalidade, que somos um orgânico ligado, dependemos da terra e da água, precisamos destas conexões. A saúde ecossistêmica é valiosa e depende do cuidado, principalmente, que nós humanos temos com outros seres.
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