Friday 7 March 2014

A Água e os Sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria – Gaston Bachelard; 1997

blog da sacha
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Em A água e os sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria Gaston Bachelard (1997) cuida em desvendar as projeções emanadas pela água dentro da literatura, especialmente na poesia, por meio de seu estudo pode-se conhecer por exemplo o tipo de água que ampara Ófélia em Hamlet. Seja em suas relações psíquicas dentro de um poema, ou em sua capacidade imaginativa, segundo ele, a água é detentora de forças imaginantes que podem guiar a uma significação muito maior e pertinente a literatura. Entende-se, por exemplo, que um rio não é apenas um rio, mas que ele transborda os sentimentos e as sensações do personagem que o contempla. Pode-se enxergar a água em sua profundidade abrindo o olhar para as nascentes, para a limpidez que reclama a pureza e se é escura, protestará sua translucidez porque recebeu toda a desgraça humana em sua profundidade. Para Bachelard o sofrimento da água é contínuo, pois ela cai sempre, ela corre sempre e acaba sempre em uma morte horizontal, por isso o seu sofrimento é eterno, é infinito.BACHELARD. Gaston. A Água e os Sonhos: Ensaio sobre a imaginação da matéria. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997
“A água é, então, um ornamento de suas paisagens; não é verdadeiramente a "substância" de seus devaneios.”p. 6
“Mas, se pudermos convencer nosso leitor de que existe, sob as imagens superficiais da água, uma série de imagens cada vez mais profundas, cada vez mais tenazes, ele não tardará a sentir, em suas próprias contemplações, uma simpatia por esse aprofundamento;verá abrir-se, sob a imaginação das formas, a imaginação das substâncias.”p.6
“Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio, porque, já em sua profundidade, o ser humano tem o destino da água que corre. A água é realmente o elemento transitório. É a metamorfose ontológica essencial entre o fogo e a terra. O ser votado à água é um ser em vertigem. Morre a cada minuto, alguma coisa de sua substância desmorona constantemente. A morte cotidiana não é a morte exuberante do fogo que perfura o céu com suas flechas; a morte cotidiana é a morte da água. A água corre sempre, a água cai sempre, acaba sempre em sua morte horizontal. Em numerosos exemplos veremos que para a imaginação materializante a morte da água é mais sonhadora que a morte da terra: o sofrimento da água é infinito.”p.6-7
“Ela (a água) simboliza um heraclitismo lento, suave e silencioso como o óleo. A água experimenta então como que uma perda de velocidade, que é uma perda de vida; torna-se uma espécie de mediador plástico entre a vida e amorte.” p. 13(grifo meu)
“A Água é uma matéria que vemos nascer e crescer em toda parte. A fonte é um nascimento irresistível, um nascimento continuo. Imagens tão grandiosas marcam para sempre o inconsciente que as ama. Suscitam devaneios sem fim.” p. 15
“A água é objeto de uma das maiores valorizações do pensamento humano: a valorização da pureza. Que seria da idéia de pureza sem a imagem de uma água límpida e cristalina, sem esse belo pleonasmo que nos fala de uma água pura¿ A águaacolhe todas as imagens da pureza.”p.15
“A curiosidade dinamiza a mente humana. Mas na própria natureza parece que forças de visão estão ativas. Entre a natureza contemplada e a natureza contemplativa, as relações são estreitas e recíprocas. A natureza imaginária realiza a unidade da natura naturans e da natura naturata. Quando um poeta vive seu sonho e suas criações poéticas, ele realiza essa unidade natural. Parece então que a natureza contemplada ajuda à contemplação que ela já contém meios de contemplação. O poeta pede-nos para “nos associarmos mais estreitamente possível a essas águas que delegamos à contemplação do que existe” Mas ser4rá o lago ou será o olho que contempla melhor¿ O lago, o tanque, a água dormente nos detêm em suas margens. Ele diz ao querer: não irás mais longe; tens o dever de contemplar as coisas distantes, coisas além!(...) O lago recebe toda a luz e com ela faz um mundo. Por ele o mundo é contemplado, o mundo é representado.” p. 30-31
“ O verdadeiro olho da terra é a água. Nos nossos olhos, é a água que sonha. Nossos olhos não serão ‘essa poça inexplorada de luz líquida que Deus colocou no fundo de nós mesmos”¿(Claudel) Na natureza é novamente a água que vê, é novamente a água que sonha. (...) Tão logo nos entregamos inteiramente ao reino da imaginação, com todas as suas forças reunidas do sonho e da contemplação”p. 33
“Qual é, pois, a função sexual do rio¿ É a de evocar a nudez feminina. Eis uma água bem clara, diz o passeante. Com que fidelidade ela refletiria a mais bela das imagens! Por conseguinte, a mulher que nela se banhar será branca e jovem; consequentemente estará nua. A água evoca a nudez natural, a nudez que pode conservar uma inocência. No reino da imaginação, os seres realmente nus, de linhas sem tosão, saem sempre de um oceano. O ser que sai da água é um reflexo que aos poucos se materializa; é uma imagem antes de ser um ser, é um desejo antes de ser uma imagem.” p.36
As águas Profundas- As águas dormentes – As águas Mortas. “Água Pesada” No devaneio de Edgar Poe.
“Sob suas mil formas, a imaginação oculta uma substância privilegiada, uma substância ativa que determina a unidade e a hierararquia da expressão. Não nos será difícil provar que em Poe essa matéria privilegiada é a água ou, mais exatamente, uma água especial, uma água pesada, mais profunda, mas morta, mais sonolenta que todas as águas dormentes, que todas as águas paradas, que todas as águas profundas que se encontram na natureza.”p.48
“em Edgar Poe, o destino das imagens da água segue com muita exatidão o destino do devaneio principal que é o devaneio da morte.”p.48
“Toda água primitivamente clara é para Edgar Poe uma água que deve escurecer, uma água que vai absorver o negro sofrimento. Toda água viva é uma água cujo destino é entorpecer-se, tornar-se pesada. Toda água viva é numa água que está a ponto de morrer. Ora, em poesia dinâmica, as coisas não são o que são, elas são o que se tornam. Tornam-se, nas imagens, o que se tornam em nosso devaneio, em nossas intermináveis fantasias. Contemplar a água é escoar-se, é dissolver-se, é morrer.”p.49
“O conto da água é o conto humano de uma água que morre. O devaneio começa por vezes diante da água límpida, toda em reflexos imensos, fazendo ouvir uma música cristalina. Ele acaba no âmago de uma água triste e sombria, no âmago de uma água que transmite estranhos e fúnebres murmúrios. O devaneio a beira da água, reencontrando os seus mortos, morre também ele, como um universo submerso.”p.49
“Assim a água, por seus reflexos, duplica o mundo duplica as coisas. Duplica também o sonhador, não simplesmente como uma vã imagem, mas envolvendo-o numa nova experiência onírica.”p.51
“Como, então, poderia tal leitor seguir o contista em sua tarefa de materializar o fantástico¿ Como poderia ele subir no barco dos fantasmas, nesse barco que de súbito se esgueira – quando a inversão imaginária é finalmente realizada – sob o barco real¿”p.51
“ Nessa contemplação em profundidade, o sujeito toma também consciência de sua intimidade. Essa contemplação não é, pois, uma Einfühlung imediata, uma função desenfreada. É antes uma perspectiva de aprofundamento para o mundo. Diante da água profunda escolhes tua visão; podes ver à vontade o fundo imóvel ou a corrente, a margem do infinito; tens o direito ambíguo de ver e de não ver.”p.53
“Suas águas preencheram uma função psicológica essencial: absorver as sombras, oferecer um túmulo cotidiano a tudo o que, diariamente, morre em nós. A água é assim um convite à morte...”p.58
“...cada hora mediata é como uma lágrima viva que vai unir-se à água dos lamentos; o tempo cai gota a gota dos relógios naturais ; o mundo a que o tempo dá vida é uma melancolia que chora.”p.58
“...quando os seres amados nos deixaram e todos os sóis da alegria desertaram a terra, então o rio de ébano, inchado de sombras, pesado de desgostos e de remorsos tenebrosos, vai começar sua lenta e surda vida. Agora ele é o elemento que se lembra de mortos.”p.59
“...função poética, é dar uma nova forma ao mundo que só existe poeticamente quando é incessantemente reimaginado.”p.61
“... emocionar; pode também desagradar ou mesmo repugnar, o que é ainda sinal de valorização.”p.64
“água silenciosa, água dormente, água insondável, quantas lições materiais para uma meditação da morte. Mas não é lição de uma morte haraclitiana, de uma morte que nos leva para longe com a corrente, como uma corrente. É a lição de uma morte imóvel, de uma morte em profundidade, de uma morte que permanece conosco, perto de nós, em nós.”p.72
O COMPLEXO DE CARONTE. O COMPLEXO DE OFÉLIA
“A morte é uma viagem e a viagem é uma morte. ‘Partir é morrer um pouco.’Morrer é verdadeiramente partir, e só se parte bem, corajosamente, nitidamente, quando se segue o fluir da água, a corrente do largo rio. Todos os rios desembocam no Rio dos mortos. Apenas essa morte é fabulosa. Apenas essa partida é uma aventura.”p.77
“...o adeus à beira mar é simultaneamente o mais dilacerante e o mais literário dos adeuses. Sua poesia explora um velho fundo de sonho e de heroísmo. Desperta em nós, sem dúvida, os ecos mais dolorosos. Todo um lado de nossa alma noturna se explica pelo mito da morte concebida como uma partida sobre a água.p.77-78
“A imaginação profunda, a imaginação material quer que a água tenha sua parte na morte; ela tem necessidade da água para conservar o sentido de viagem da morte.”p.78
“Em particular, a função de um simples barqueiro, quando encontra seu lugar numa obra literária, quase fatalmente tocada pelo simbolismo de Caronte. Por mais que atravesse um simples rio, ele trás o símbolo de um além. O barqueiro é guardião de um mistério.”p.80-81
“Tudo quanto a morte tem de pesado, de lento, é igualmente marcado pela figura de Caronte.”p.81
“O suicídio, na literatura, prepara-se ao contrário com um longo destino íntimo. É literariamente, a morte mais preparada, mais planejada, mais total.”p.83
“Ofélia poderá, pois ser para nós o símbolo do suicídio feminino. Ela é realmente uma criatura nascida para morrer na água, encontra aí, como diz Shakespeare, ‘seu próprio elemento’ A água é o elemento da morte jovem e bela, da morte florida, e nos dramas da vida e da literatura é o elemento da morte sem orgulho nem vingança, do suicídio masoquista.”p.85
“...a terra tem seu pó, o fogo sua fumaça (...) a água dissolução”p.94-95(grifo meu)
“A água fechada acolhe a morte em seu seio. A água torna a morte elementar. A água morre com o morto em sua substância. A água é então um nada substancial. Não se pode ir mais longe no desespero. Para certas almas, a pagua é a matéria do desespero.”p.95
 AS ÁGUAS COMPOSTAS
 “...a imaginação é um devir. Fora dos reflexos do medo que não se imaginam e que por conseguinte são mal contados, o terror não pode ser comunicado numa obra literária, senão no caso de ser um evidente devir.”p.107
 “...não é de admirar que a água seja então sonhada numa ambivalência ativa. Não há devaneio sem ambivalência, não há ambivalência sem devaneio. Ora, a água é sonhada sucessivamente em seu papel emoliente e em seu papel aglomerante. Ela desune e une.” P.109
 A ÁGUA VIOLENTA
 “Na batalha do homem com o mundo, não é o mundo que começa. Completaremos, portanto, a lição de Shopenhauer, adicionaremos realmente a representação inteligente e a vontade clara do Mundo como vontade e representação, ao enunciarmos a fórmula: O mundo é minha provocação. Compreendo o mundo porque o surpreendo com minhas forças incisivas, com minhas forças dirigidas, na exata hierarquia de minhas ofensas, como realizações de minha alegre cólera, de minha cólera sempre vitoriosa, sempre conquistadora. Enquanto fonte de energia, o ser é uma cólera a priori. “p.166

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